sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Por Jaqueline B. Ramos*
O chimpanzé Jeber teve seus dentes arrancados no circo (crédito: projeto GAP)

Elefantes em um circo na Europa (crédito: CAPS)

Faze é um urso negro americano de pouco mais de 15 anos. Viveu toda sua vida em carretas de circos. Foi viciado em Coca-Cola, teve seus dentes cerrados e as garras de suas patas dianteiras arrancadas. Hoje parece mais um cachorro, pois perdeu todo o seu instinto selvagem. Gaya é uma leoa que foi resgatada quando tinha aproximadamente 13 anos. Estava muito desnutrida, a ponto de não parar em pé, e tinha uma grande quantidade de bicheira nas patas. Também tinha uma grave infecção bucal pelo fato de seus dentes caninos estarem serrados. Os chimpanzés Jeber e Tyson, de 18 anos, foram vendidos ainda filhotes para um circo, onde foram violentamente castrados (mutilados) e tiveram todos os seus dentes arrancados. Quando foram confiscados viviam acorrentados em jaulas minúsculas e em péssimo estado.

Faze, Gaya, Jeber e Tyson são alguns exemplos de animais que sofreram por anos a fio em circos e tiveram a sorte de serem resgatados. Hoje todos eles vivem em santuários no interior de São Paulo, recebem o tratamento digno que merecem e se recuperam, aos poucos, dos traumas físicos e psicológicos que lhe foram covardemente impostos. Mas um grande número de animais no Brasil e no mundo ainda está sob o domínio de empresários do mundo circense cuja idéia é ganhar dinheiro a qualquer custo – inclusive ao custo da exploração e maus-tratos dos animais.

Felizmente essa triste realidade está com os dias cada vez mais contados no Brasil. Ao lado de outros sete países que já proíbem animais em circos (ver boxe), o Brasil vê avançar a aprovação do Projeto de Lei 7291/2006, que dispõe sobre a proibição federal de uso de animais (selvagens e domésticos) em picadeiros. O PL estava tramitando na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados desde 2006. Depois de muitas campanhas e pressão política, foi finalmente aprovado por unanimidade no dia 3 de junho desse ano, passando para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

No CCJ o PL teve como relator o deputado federal Ricardo Tripoli (PSDB/SP), conhecido político que milita na causa da proteção animal, e no dia 17 de novembro passou por mais uma aprovação. O próximo passo agora é que o PL vá ao Plenário da Câmara. “A aprovação do nosso relatório representa uma evolução na legislação brasileira, sobretudo para a defesa animal”, declarou o deputado após a aprovação da proposta de lei em novembro.

Atualmente não se tem previsão de quando exatamente o PL será aprovado definitivamente na Câmara para ir a votação no Senado e, finalmente, para sanção presidencial. Outra questão importante do PL é que é dado o prazo de oito anos para os circos “se desfazerem”, ficando proibido desde então o seu uso nos espetáculos. As dúvidas pairam em torno sobre o bem-estar destes animais “que não dão mais lucros” ao circo, se estes animais poderão ser usados nas “propagandas” dos circos e sobre a sua destinação no final dos oito anos, uma vez que se sabe que hoje não há santuários suficientes e centros de reabilitação com a estrutura mínima para recebê-los e mantê-los.

Controvérsias à parte – e que devem ser seriamente tratadas pelos órgãos governamentais responsáveis -, não há dúvidas de que o Projeto de Lei Federal é, antes de tudo, um marco para se pôr fim a uma prática tão cruel. “Já é tempo de o Brasil dar um basta à exploração dos animais nesse tipo de atividade recreativa. Forçar animais a desempenhar ações estranhas a seu comportamento natural constitui violência e abuso contra eles. A evolução espiritual do povo, somada ao refinamento da educação ambiental, deve repelir esse tipo de espetáculo”, diz o promotor público Laerte Levai, de São José dos Campos. “Os animais merecem ser respeitados pelo que são, o seu valor inerente, e não pelo que podem servir ao ser humano. Nesse sentido, precisamos superar o antropocentrismo com uma visão mais generosa da natureza, em que a ética e a solidariedade possam alcançar as demais espécies”, completa.

O avanço do PL pode ser encarado como um reflexo da pressão exercida pelas campanhas, pela conscientização do público sobre os óbvios maus-tratos sofridos pelos animais e também pelas próprias conquistas em termos de legislação em nível mais regional. Hoje seis estados brasileiros e mais de cinqüenta cidades já proíbem a apresentação de circos com animais em seus territórios, além de dois estados estarem com suas leis em tramitação (ver boxe).

E um dos melhores exemplos sobre o avanço do meio jurídico brasileiro em relação à proibição de circos com animais foi uma sentença dada pelo Juiz de Direito Gustavo Alexandre Berluzzo, de São José dos Campos, em fevereiro de 2007 contra o circo Le Cirque, que havia chegado na cidade para fazer espetáculos com animais. Um dos trechos da sentença afirma: “Nota-se ainda que os animais de circo, observadas as condições em que vivem (se é que vivem, pois estão longe do habitat e ficam aprisionados) sofrem de forma continua sérios abusos e limitações que devem ser obstados pelo Estado, que tem o dever de preservação do meio ambiente sadio e equilibrado, como claramente recomenda a Constituição Federal. No caso de animais de circo, a Legislação Estadual Bandeirante é categórica em proibir a apresentação e a utilização dos mesmos, independentemente da ocorrência ou não de maus-tratos, pois reconhece a Lei que esta conduta acarreta aos animais uma cruel e abusiva subjugação”.

Uma questão também de segurança: A cidade de Belo Horizonte foi a última a aprovar sua lei municipal de proibição de circos com animais, no início de dezembro. Minas Gerais é um dos estados brasileiros com forte tradição circense, onde a opinião pública ainda se arrisca a defender que os animais seriam muito bem tratados por “suas famílias” nos circos. O fato da capital do estado sair na frente e afirmar oficialmente, através de uma lei específica, que a prática retrógrada está proibida é, sem sombra de dúvidas, um divisor de águas.

Outro ponto importante da lei da capital mineira é que uma das fortes justificativas dadas pelos parlamentares para a sua aprovação foi a questão de segurança relacionada a viagens e exibições de animais selvagens para o público. O argumento foi baseado na história do menino José Miguel dos Santos Fonseca, de apenas seis anos, que foi morto por leões do Circo Vostok em Recife no ano 2000. Na época o caso comoveu a sociedade, principalmente depois que foi comprovada a causa da tragédia: os leões estavam famintos há dias.

“Não somos contra os circos como atividade cultural. Ele é uma das manifestações culturais mais antigas do homem e tem como objetivo entreter adultos e crianças através das habilidades dos artistas que dedicam suas vidas ao espetáculo. Mas a riqueza do talento artístico que faz uma criança sorrir nada tem a ver com o cenário de animais selvagens mantidos em cativeiro e sendo tratados como objetos de uma atração”, ressalta a advogada Selma Mandruca, presidente do Projeto GAP (Proteção dos Grandes Primatas) Brasil, uma das ONGs que participam ativamente das campanhas contra o uso de animais em circos. “É importante deixar claro que nosso objetivo é expor à sociedade o valor do trabalho dos artistas circenses, valorizando a atividade artística e demonstrando que o uso de animais no picadeiro é uma atividade arcaica e antiética”, conclui.

Por que dizer não a animais em circos

• Animais em circo sofrem uma vida inteira de maus-tratos. Estes não incluem apenas as formas desumanas de treinamento (em sua maioria com o uso de choques, chicotes ou bastões pontiagudos), mas também os espetáculos em si, onde os animais, por sofrerem agressões para um suposto aprendizado, se comportam como nunca se comportariam na natureza, apenas por um capricho do ser humano. Além disso, passam suas vidas em espaços muito pequenos e em constante transporte, circunstâncias que causam alto grau de estresse e traumas diversos (psicológicos e físicos) aos animais. E, para piorar a situação, muitas vezes não têm à disposição alimento de qualidade ou em quantidade suficiente.

• Animais em circo expõem as pessoas a muitos riscos. Não é possível prever como um animal estressado irá reagir em uma determinada situação. Além disso, muitas vezes permanecem em instalações inadequadas e frágeis, expondo os funcionários do circo e a população em geral. Vários acidentes já foram documentados inúmeras vezes pela mídia.

• Animais em circo podem transmitir doenças aos seres humanos, visto que não existe vacinação eficiente para os animais selvagens.

• Animais em circo estimulam o tráfico de animais selvagens ao redor do mundo, prática reconhecidamente cruel e criminosa.

Fonte: WSPA (Sociedade Mundial para Proteção Animal)

Onde já é proibido circos com animais

Países onde é proibido o uso de animais selvagens em circos:

• Áustria (primeiro país da União Européia a banir o uso de animais selvagens em circos).
• Costa Rica
• Croácia
• Israel
• Cingapura
• Bolívia (foi o primeiro país do mundo a banir também o uso de animais domésticos nos circos).
• Bulgária (tem até 2015 para se adaptar à regra).

Países onde é parcialmente proibido o uso de animais selvagens em circos:

• Bélgica: proibido usar animais selvagens capturados.
• República Tcheca: proibido o uso de primatas recém-nascidos, pinípedes (certos mamíferos marinhos), cetáceos (exceto delfinídeos), rinocerontes, hipopótamos e girafas.
• Estônia: proibido usar animais selvagens capturados.
• França: proibido, desde 2007, o uso de girafas, hipopótamos e rinocerontes.
• Índia: é ilegal exibir, treinar ou fazer apresentações com ursos, macacos, tigres, panteras ou leões.
• Polônia: proibido usar animais selvagens capturados.
• Espanha: o uso de grandes primatas nos circos será proibido quando o governo concluir o apoio ao Great Ape Project. A Câmara de Vereadores de Barcelona proibiu apresentações de animais selvagens ou exóticos em locais de sua propriedade.
• Taiwan: a Wildlife Conservation Law - Lei de Preservação da Vida Selvagem - sofreu emenda em 2007 para proibir os circos de importar e exportar animais protegidos, como leões, tigres, elefantes e macacos.
• Finlândia, Suécia e Dinamarca: proibiram a manutenção de animais selvagens em gaiolas nos circos. Entretanto, eles permitem o uso de elefantes e outras espécies exóticas fora de gaiolas.

No Brasil

Estados: Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul
Em tramitação: Ceará, Santa Catarina
Mais de 50 cidades em todo o país, entre as quais Juiz de Fora (MG), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC).

Para saber mais:

• AILA – Aliança Internacional do Animal - http://www.aila.org.br/circo1.htm
• Campanha da ANIDA – Associação Nacional pela Implementação dos Direitos dos Animais - http://www.animaisdecirco.org/
• Jornal Tribuna Animal - http://www.tribunaanimal.com/animais_circo.htm
• CAPS – ONG de Proteção a Animais em Cativeiro (em inglês) - http://www.captiveanimals.org/


*Publicada na Revista dos Vegetarianos / fevereiro 2010