quinta-feira, março 29, 2007


Lei para a Mata: mais força para a conservação da Floresta Atlântica Brasileira

Por Jaqueline B. Ramos*
A última semana do ano de 2006 teve momentos de boas e más notícias para a Mata Atlântica. A má foi que um estudo pioneiro divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente intitulado “Mapas de Cobertura Vegetal Nativa dos Biomas Brasileiros” revelou que o último lugar da lista em termos de porcentagem de cobertura vegetal nativa intacta pertence à floresta costeira brasileira. Enquanto o Pantanal, o bioma mais preservado, tem 88,7% de vegetação nativa preservada, a Mata Atlântica tem apenas, segundo o estudo, 27,44%.

Para compensar a oficialização do dado negativo (infelizmente) já conhecido, a boa notícia se concretizou no fim vitorioso de uma batalha de negociações de mais de 14 anos no Congresso Nacional: no dia 22/12/2006, o presidente Lula finalmente sancionou a Lei 11.428, que trata da conservação, proteção e regeneração do bioma Mata Atlântica.

O Projeto de Lei que tratou pela primeira vez de ações mais específicas para proteção e conservação da Mata Atlântica, o mais ameaçado de todos os biomas brasileiros, foi o de número 3.285, apresentado ao Congresso Nacional em 1992 pelo então deputado federal Fábio Feldman. Para se transformar na Lei da Mata Atlântica, o projeto passou por inúmeras avaliações e negociações políticas até ser sancionado e publicado no Diário Oficial “aos 45 do segundo tempo” no ano de 2006.

“Não esperávamos uma resolução tão importante no finalzinho do ano, mas foi uma surpresa boa. Consideramos que acabou uma batalha e começou outra, que é a de fazer com que a lei seja conhecida e cumprida pela população do campo e da cidade”, diz Bruno de Amorim Maciel, secretário-executivo da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA).
Depoimentos sobre a Lei da Mata Atlântica

"Para expandir a fronteira do futuro, para que o novo não seja a reiteração do antigo, é necessário renovar a compreensão sobre nós mesmos. Para tanto, é indispensável ouvir a voz da história. Nada poderia ser mais simbólico desse aprendizado humano do que encerrar o ano de 2006 sancionando uma lei que paga uma dívida com as nossas origens".
Presidente Lula (em discurso ensaiado), durante a cerimônia de sanção da lei realizada no Palácio do Planalto.

"Ele, como o senhor, presidente, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional por dizer que 'agora é a hora da onça beber água'. O que estamos celebrando aqui é parte da luta de Chico Mendes. Ele doou a vida pela Amazônia e por todos os biomas".
Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente, lembrando ao Presidente Lula que a data da sanção da Lei da Mata Atlântica é a mesma da morte do seringueiro Chico Mendes, ocorrida há 18 anos (22/12/1988).

"A sanção da lei é motivo de festa. Mas agora começa um trabalho difícil, que é concretizá-la. Peço auxílio do presidente para que o país possa acabar com o preconceito "de que ambientalista é contra desenvolvimento".
Miriam Prochnow, coordenadora da Rede de ONGs da Mata Atlântica, que deu uma muda de pau-brasil a Lula na solenidade de sanção da lei, brincando que seria a última que havia sobrado dos últimos dois anos de manifestações pela aprovação do projeto.

"Os ambientalistas têm o reconhecimento do trabalho da ministra. Para nós, ela é um grande símbolo".
Ex-deputado Fábio Feldman, autor do projeto que deu origem à lei, elogiando o desempenho de Marina Silva no ministério.

“Realmente temos o que comemorar. Embora a demora tenha causado prejuízos incalculáveis, os 14 anos não foi tempo perdido. Nesse período houve um amadurecimento da lei, que está mais clara e foi atualizada pelas leis dos recursos hídricos, dos resíduos sólidos e dos crimes ambientais.”
Clayton Lino, coordenador do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, afirmando que a Lei da Mata Atlântica é bem melhor do que a proposta original de 1992.
Leia a matéria completa aqui.
*Matéria publicada na edição n. 71 (janeiro/fevereiro 2007) da revista do Instituto Ecológico Aqualung

quarta-feira, março 07, 2007

“Minha missão na Terra é lutar pela libertação dos animais”

Entrevista: Lindy Greene, assessora de imprensa da Animal Liberation Front (ALF)

Por Jaqueline B. Ramos*


A ALF (Animal Liberation Front) é uma das organizações de defesa de direitos dos animais mais controversas do mundo. Seus ativistas agem clandestinamente libertando animais de laboratórios e fazendas de produção ou interceptando e destruindo instalações de empresas que conhecidamente usam animais em experimentos ou na fabricação de seus produtos. Enquanto os ativistas, cujas identidades são anônimas até para suas famílias, são procurados pela polícia e arriscam sua liberdade pela causa animal, um outro grupo se dedica a divulgar abertamente os ideais por trás da ALF e informar sobre as últimas ações em prol dos animais que levam a marca da organização. A professora norte-americana Lindy Greene é uma dessas ativistas e integra o grupo NAALPO (North American Animal Liberation Press Office), assessoria de imprensa oficial – e não clandestina - da ALF.

Lindy atua em movimentos de defesa dos direitos dos animais e de luta contra abusos há 18 anos, já tendo trabalhado para ONGs como Earth First!, Rainforest Action Network, Greenpeace, Last Chance for Animals e Animal Defense League. Na cidade de Los Angeles, onde mora, participa ativamente de campanhas contra instituições locais que fazem experiências com animais vivosimais, inclusive a UCLA (Universidade da Califórnia), que, segundo Lindy, recebe por ano US$ 200 mi em fundos de pesquisa para experiências que viciam macacos fem metanfetamina, por exemplo.

Vegana há 15 anos, Lindy deu esta entrevista por e-mail à Revista dos Vegetarianos, na qual explica os objetivos de divulgar os ideais defendidos pela ALF, o trabalho desenvolvido pela NAALPO e comenta sobre a recente resolução do Governo dos EUA de considerar ativistas dos direitos dos animais como terroristas. “Minha missão na Terra é lutar pela libertação dos animais, livrando-os de sofrimento e assassinatos sistemáticos. Seja escrevendo uma carta ou participando de ações mais radicais, todos têm um papel muito importante no movimento de libertação animal.”

Como surgiu a ALF?
Tudo começou no início dos anos 70, quando o ativista Ronnie Lee fundou na Inglaterra o Band of Mercy. Este grupo acreditava que era necessária uma tática mais agressiva para fazer com que pessoas e empresas que abusavam de animais mudassem suas práticas, e acordar alguns políticos para as atrocidades que estavam acontecendo. Liderados por Lee, os ativistas então começaram a invadir laboratórios e fazendas de produção de peles com o intuito de resgatar os animais e danificar as instalações utilizadas para os maus-tratos. Lee chegou a ser preso e passou anos na prisão, mas a filosofia de seu movimento se espalhou e se transformou no Movimento de Libertação Animal (Animal Liberation Front).

A ALF tem células em todo o mundo, inclusive no Brasil, mas ninguém sabe a identidade dos integrantes ou a localização das mesmas. Ativistas montam os grupos com amigos-ativistas de confiança e por questão se segurança, uma célula não sabe da existência da outra. Os detalhes das ações clandestinas não são revelados para ninguém, dificultando uma possível coerção por parte das autoridades.

Como a NAALPO trabalha neste contexto?
A Assessoria de Imprensa Norte-Americana da ALF é uma organização constituída legalmente. Seu objetivo é publicar e divulgar para a mídia e quem mais estiver interessado os comunicados enviados anonimamente pelos ativistas que atuam em defesa dos nossos irmãos não-humanos que são torturados e assassinados pela ganância que o homem tem por dinheiro. As ações clandestinas constituem-se em soltura de animais presos em laboratórios e fazendas de produção e sabotagem nas instalações desses estabelecimentos, causando prejuízos econômicos para as pessoas e/ou empresas que abusam e maltratam os animais.

A NAALPO não participa dessas ações nem conhece a identidade dos ativistas. Nossa função é divulgar os comunicados e também fazer palestras, participar de conferências, publicar artigos etc, com o intuito de esclarecer as condições de maus-tratos enfrentadas por animais em laboratórios, fazendas de produção, circos, rodeios, zoológicos, abrigos públicos, entre outros. Eu acredito que a NAALPO funciona como uma voz inspiradora para os animais e seus defensores. Por isso não deve ser censurada ou repreendida. Todos os pontos de vista, inclusive aqueles mais delicados, que criticam fortes paradigmas políticos e econômicos mundialmente instituídos, devem ser discutidos abertamente.

Por preconceito, falta de informação ou simplesmente por diferentes pontos de vista, muitas pessoas acabam achando que a ALF simplesmente espalha violência nas suas ações. Qual é o maior desafio na desmistificação desta idéia e no processo de fortalecimento do movimento e suas ideologias?
Uma das razões da existência da NAALPO é revogar a noção de que a defesa de seres inocentes é sinônimo de violência ou terrorismo. As pessoas que torturam e assassinam os animais, seres sencientes e indefesos, pelos motivos mais insignificantes e ardilosos, são os verdadeiros fomentadores da violência e do terrorismo. Em geral a opinião pública não crucifica ações violentas a favor dos homens. Os ativistas da libertação animal acreditam que os animais não-humanos também têm o direito de serem defendidos, por compaixão e motivos morais.

Como as ações da ALF impactam diretamente nos custos e lucros de empresas, algumas bem grandes, há uma reação crítica muita forte por parte do Governo e representantes de interesses corporativos, o que acaba influenciando a opinião dos cidadãos. É por isso que a NAALPO faz também um trabalho educativo, esclarecendo para o público em geral a realidade por trás das atrocidades com animais perpetuadas ao longo de séculos, atrocidades estas que moralmente justificam ações mais diretas, imediatistas e por vezes até violentas, consideradas clandestinas.

A recente resolução do Governo dos Estados Unidos de considerar ativistas dos direitos dos animais como perigosos terroristas foi recebida com estranheza e está sendo criticada. Como a NAALPO está reagindo a esta declaração?
O Governo dos Estados Unidos anunciou oficialmente em 2006 que considera ativistas de direitos dos animais como a ameaça número 1 em termos de terrorismo no país. A afirmação refere-se diretamente à ALF, mas mesmo assim eu a considero uma afronta a mim mesma e a todos os outros ativistas e defensores que adotam outras estratégias de trabalho. Nos anos 90, a linha de ativismo animal se baseava em protestos pacíficos, panfletagem, vigílias, abaixo-assinados e alguns atos de ocupação de propriedades. Apesar de algumas conquistas, com o tempo assistiu-se a um retrocesso, com o público em geral ficando cada vez mais indiferente aos abusos cometidos contra animais. Sem contar que esta tática não funcionava com as grandes corporações, que influenciavam o governo e a legislação a seu favor.

Com a mudança para uma tática mais agressiva, que impacta em lucros e custos, os resultados se tornaram mais efetivos. Mas como esperado, junto com eles cresce um movimento repressor das autoridades, cujo objetivo é calar e punir aqueles que têm coragem e audácia suficiente de bater de frente no paradigma social e político dominante. Assim, ativistas de direitos dos animais passaram a ser perseguidos pela polícia, têm seus computadores confiscados e suas linhas telefônicas grampeadas, como se fossem criminosos. Alguns chegam a ser detidos e até julgados por atitudes simplórias como liderar piquetes ou fazer muito barulho em protestos não-violentos, sendo acusados por intimidação, molestamento e autoria de ameaças. Um ativista certa vez respondeu a um vizinho que a acusava de ser terrorista: “Se ficar do lado e defender seres inocentes faz de uma pessoa um terrorista, aceito o rótulo com muito orgulho”. Essa declaração foi interpretada como um depoimento no qual ela estaria admitindo ser uma terrorista.

Este ataque ao Movimento de Defesa dos Animais do Congresso, patrocinado pessoalmente pelo Presidente George W. Bush, é mais dirigido aos ativistas que agem clandestinamente. Porém o maior temor é que, além de exagerado e tendencioso, ele possa ser mal interpretado de uma forma que enfraqueça o direito à liberdade de expressão e atividades de protestos legais, prejudicando tudo o que os idealistas da causa animal já conquistaram ao longo dos anos. Na teoria, a decisão do Governo define multas e penas para os ativistas que causam prejuízos econômicos para instituições, ou seja, não estaria impactando o trabalho de ativistas não clandestinos. No entanto pode-se se assistir um efeito paradoxo: novos ativistas que estão se engajando na causa podem pensar que é mais seguro atuar de forma marginal do que se expor a perseguição ou ao julgamento da lei.

Voltando à linha de atuação da ALF, o que é feito com os animais que são libertados? Existem lugares que os mantém seguros?
Quando os ativistas libertam os animais, normalmente eles são devolvidos para o seu habitat, onde terão a chance de se recuperar e ter sua vida natural. No caso de pets usados em laboratórios, como gatos, cachorros, ratinhos e coelhos, estes ganham a chance de viver com o respeito que merecem como animais de companhia. O movimento identifica novos lares e donos para esses animais antes da ação propriamente dita e geralmente estes se localizam em outras cidades e estados.

Alguns críticos do movimento argumentam que animais selvagens reintroduzidos na natureza correm um risco maior de acabar perecendo sendo predados ou sofrendo acidentes perto de áreas mais urbanas. O contra-argumento é que animais selvagens já enfrentam naturalmente dificuldades e, por isso, têm seus mecanismos de defesa. Além disso, ao serem soltos, têm mais chance de viver dignamente, uma vez que presos numa fazenda de produção, por exemplo, todos estariam fadados a morrer de forma sofrida simplesmente para atender a vaidade de algumas pessoas. Outra crítica é a de que as libertações só abririam espaço para mais animais serem levados para laboratórios e fazendas e passarem pelo mesmo sofrimento. Exatamente por isso muitas ações combinam libertação com intercepção e até destruição de algumas instalações, com o objetivo de gerar prejuízo e inviabilizar, ou pelo menos adiar, as experiências e matanças.

O filme/documentário Behind the Mask, lançado em março do ano passado nos Estados Unidos, mostra abertamente a linha de ação da ALF? Ele será lançado no Brasil?
O filme Behind the Mask é um documentário bem completo sobre a ALF e seus esforços para libertar os animais das torturas causadas pelos homens. Ele foi dirigido e produzido por Shannon Keith, uma advogada de direito dos animais muito atuante nos Estados Unidos que trabalha na linha de resgatar animais de rua e promover informação e educação para o público em geral e também para a imprensa. Aliás, o documentário foi produzido como resposta a uma tendência percebida por parte da mídia de fazer relatos parciais contra movimentos de direitos dos animais.

Através de depoimentos e imagens, o filme é conduzido de uma forma que é difícil não se sensibilizar e apoiar as atitudes dos ativistas da “milícia da noite”, que arriscam sua liberdade e até sua vida infringindo a lei em prol da libertação animal. Ele também relata claramente a verdade cruel por trás da indústria da vivissecção, mostrando que os verdadeiros terroristas são aqueles que exploram e abusam dos animais objetivando apenas lucro. A NAALPO e a própria Shannon acreditam que o filme irá correr o mundo, mas o tempo para isso depende de cada país. Esperamos que no Brasil tenha distribuidores interessados em exibi-lo, para que o público conheça melhor os ideais da ação da ALF e a necessidade de proteção de nossos irmãos animais.

Para saber mais:
ALF - http://www.animalliberationfront.com/
NAALPO - http://www.animalliberationpressoffice.org/
*entrevista publicada na Revista dos Vegetarianos - ano1, n.5 - dezembro 2006