Com apoio do Governo, ONG inaugura na Jordânia um centro de excelência para cuidar de animais de trabalho, responsáveis pela sobrevivência de cerca de 30% da população do país
Por Jaqueline B. Ramos
Nem só de guerras e conflitos políticos são compostas as notícias do Oriente Médio. Nos primeiros meses do ano, a Jordânia, país vizinho do Iraque, Arábia Saudita e Israel, foi noticiada na imprensa internacional por um assunto que, apesar de sua importância, ainda é pouco convencional: a preocupação com o bem-estar animal. No final do mês de março, a Rainha Rania Al-Abdulah inaugurou na capital Amã o Garden Sanctuary, um centro para cuidar dos chamados Animais de Trabalho, leia-se cavalos e camelos responsáveis pela subsistência de nada mais nada menos do que 45 mil famílias jordanianas – aproximadamente 30% da população do país.
O Garden Sanctuary é o primeiro centro de animais de trabalho do Oriente Médio e surgiu a partir de uma iniciativa da ONG jordaniana Humane Center for Animal Welfare (HCAW). O projeto foi financiado pela Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA) e pelo Governo da Jordânia e sua proposta é oferecer serviços veterinários especializados e gratuitos e treinamentos para estudantes de veterinária, além de programas educativos em escolas para crianças em parceria com o Ministério da Educação do país.
O centro é composto por duas salas de cirurgia, uma farmácia, uma sala de recuperação e um laboratório para raios-X. O local também conta com acomodações, um centro de educação, áreas para recreação e uma clínica veterinária móvel para atender regiões mais remotas. “O Garden Sanctuary será fundamental para melhorar os meios de subsistência das pessoas e servirá de exemplo para o restante do Oriente Médio como um centro de excelência”, afirma Peter Davies, Diretor-Geral da WSPA, organização fundada há 25 anos com a missão de elevar os níveis de bem-estar dos animais em todo o mundo, visando a compreensão e o respeito ao princípio.
Bem-estar animal e humano
E é justamente a ligação do bem-estar dos animais com o das pessoas ao seu entorno o que mais se destaca no projeto. Na Jordânia, cavalos e camelos são usados principalmente para transporte e trabalhos no campo e para um número significativo de famílias eles são sinônimos de trabalho e, portanto, de sua sobrevivência.
“Como em qualquer outro país do mundo, na Jordânia há donos que tratam seus animais sem qualquer cuidado, mas há também aqueles que respeitam os animais como seres sentientes, reconhecendo sua importância. O caminho para aumentar esta consciência está no trabalho educativo, que é muito bem aplicado pela HCAW e começa a ser reconhecido pela população”, conta Trevor Wheeler, diretor de projetos no Oriente Médio da WSPA, ressaltando a iniciativa dos Clubes de Bem-Estar Animal, um projeto extra-curricular já desenvolvido em várias escolas jordanianas que ganha ainda mais força com o Garden Sanctuary.
Fazendo um paralelo da experiência na Jordânia com os trabalhos nesta área desenvolvidos no Brasil, o destaque continua sendo a relação direta do bem-estar dos animais com os homens à sua volta. “Quando os carroceiros percebem que o ato de cuidar bem dos animais leva a um maior ganho, a relação entre o dono e o animal muda. É muito comum os animais sofrerem por desconhecimento do dono sobre remédios para tratamento de algumas doenças ou recursos que podem ser usados numa carroça, por exemplo, que ajudam o animal a melhorar o seu desempenho no transporte de uma carga“, explica João Ferreira, veterinário e professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Ferreira dá o exemplo das vantagens do cuidado com animais de trabalho a partir da experiência do projeto Carroceiro, desenvolvido desde 1992 na Universidade de Londrina, no Paraná, e que tem como objetivo principal a passagem de orientações e ensinamentos aos carroceiros da região a respeito do manejo higiênico, sanitário e nutricional de seus animais de tração. O professor da UNESP afirma que o Hospital Veterinário da Universidade atualmente dá assistência para proprietários de baixa renda e que há planos de implantação de atividades similares ao projeto Carroceiro, visto os bons resultados alcançados.
“É tudo uma questão de disponibilizar informação, de educação. A partir do momento que o carroceiro passa a conhecer como pode colaborar no bem-estar do seu animal e as vantagens que isso traz para ele mesmo, o olhar em relação ao animal como uma mera ferramenta de trabalho tende a mudar. Cria-se um laço de companheirismo”, diz Ferreira.
“Na Jordânia, o comprometimento pessoal da própria Rainha Rania Al-Abdulah e do Governo através do apoio do Ministério da Educação são essenciais para o Garden Sanctuary nos serviços de assistência aos animais de trabalho e seus donos e de conscientização e educação em relação ao fato de que os animais são seres conscientes de sua existência, que assim como nós têm sentimentos e muitas vezes confiam aos humanos sua saúde e bem-estar”, ressalta Trevor Wheeler, da WSPA. “Nossa expectativa é que este projeto seja modelo para o Oriente Médio e para o mundo”, conclui.
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