Uso racional de água: a importância da conservação dos recursos hídricos
Rio Solimões, Amazonas (foto: Jaqueline B. Ramos)
Você ouve falar todo dia que é importante não desperdiçar água, do contrário ela um dia pode acabar e levar países a guerras no futuro. Mas aí você lembra das aulas na escola onde a professora explicava o ciclo de renovação da água, da evaporação e o retorno em forma de chuva, e se pergunta: se a água é um recurso renovável, qual é o motivo de tanta preocupação? E a resposta é: o impacto, pela ação desenfreada do homem, no ciclo de renovação natural dos recursos hídricos. Em outras palavras: a água vem sendo consumida de forma tão rápida e intensa que não dá tempo de ser renovada (ou de ser tratada de forma viável para sua reutilização ou devolução à natureza).
Além do consumo desenfreado, o desmatamento de áreas naturais e a poluição de rios e mananciais são outros agravantes da conservação dos recursos hídricos. A Organização das Nações Unidas pra Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 30% das grandes bacias hidrográficas em todo o planeta já tenham perdido mais da metade de sua cobertura vegetal original, resultando numa redução significativa da quantidade de água disponível.
Outro dado alarmante é que se calcula que 50% dos rios do mundo já estão tão poluídos por esgotos, dejetos industriais e agrotóxicos a ponto de existirem casos irreversíveis, nos quais as fontes de água ficam impossibilitadas de se recuperar e serem utilizadas novamente. É o exemplo do rio Huangpu, maior fonte de água da capital chinesa Xangai. Ele está tão contaminado por poluentes industriais e agrícolas que não registra vida aquática há mais de 20 anos. Aliás, a China, país que mais cresce no mundo e detentor de 20% da população mundial, é um dos que apresentam os problemas mais graves de escassez de água.
Em relação ao consumo progressivo, estima-se que, enquanto a população mundial duplicou no último século (hoje somos mais de seis bilhões de pessoas), o consumo por água aumentou em sete vezes. Os motivos são o crescimento das atividades agrícolas e industriais e da urbanização e a intensificação da ocupação do homem nas bacias hidrográficas. Considerando o fato de que a quantidade de água existente não mudou – 97% consistem em água salgada, 2% correspondem ao gelo nos pólos e topo de montanhas e apenas 1% é água doce disponível para consumo humano -, não é difícil de prever problemas de demanda maior que oferta.
Segundo o Conselho Internacional “World Water”, no ano de 2015 cerca de 3,5 milhões de pessoas viverão em lugares com problemas de escassez de água. A previsão de especialistas é que os maiores problemas de acesso à água de qualidade se dêem em grandes cidades, principalmente naquelas dos “países em desenvolvimento”, que devem assistir a um crescimento maior de sua população. Calcula-se, por exemplo, que toda a água subterrânea da China desapareça em 2030 e que pelo menos 40% da população dos países africanos e 20% dos latino-americanos não terão acesso à água adequada para consumo já nas próximas décadas.
E no Brasil, como estamos?
O Brasil detém 14% da água doce do mundo e 30% dos mananciais subterrâneos (tendo inclusive a maior parte do aqüífero Guarani, o segundo maior reservatório subterrâneo contínuo do mundo). Cerca de 60% da bacia amazônica, que escoa cerca de 1/5 do volume de água doce no planeta, estão em território brasileiro. Analisando esses números pode-se arriscar afirmar que estamos numa situação privilegiada. No entanto, tal privilégio não justifica que devamos relaxar em relação ao uso racional de água e sua conservação.
O patrimônio hídrico do Brasil é um dos mais importantes do planeta, o que nos dá uma imensa responsabilidade em relação à gestão estratégica das nossas águas. Além disso, mesmo diante de tanta abundância também temos nossos paradoxos: no mesmo país que tem exuberante disponibilidade hídrica há áreas críticas de escassez, como é o caso da região semi-árida dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Um dos planos do Governo para atendimento das cerca de 12 milhões de pessoas que já sofrem pela dificuldade de acesso à água é a integração do rio São Francisco com as bacias hidrográficas do Nordeste Setentrional, a chamada Transposição do São Francisco, um projeto com controvérsias técnicas e cujas obras, já iniciadas, são comumente objeto de protesto principalmente por parte de ambientalistas.
Outro paradoxo da nossa imensa riqueza hídrica é o desperdício da água que temos o privilégio de acessar. Em novembro de 2007, o Instituto Socioambiental (ISA) divulgou dados alarmantes a respeito da situação do abastecimento público e saneamento básico nas 27 capitais brasileiras. Em linhas gerais, o estudo revelou que quase a metade – 45% - da água retirada dos mananciais destas cidades é desperdiçada em vazamentos, fraudes e sub-medições. Isso leva a um número de 6,14 bilhões de litros de água jogados fora por dia, ou 2.457 piscinas olímpicas. Esse volume de água é suficiente para abastecer 38 milhões de pessoas durante um dia, o equivalente a população de um país como a Argentina. Porto Velho joga fora mais de 70% da água captada, detendo a liderança desse tipo de problema.
Se não bastasse o desperdício, o consumo per capita, ainda segundo o estudo do ISA, também é maior que o recomendado pela ONU – 110 litros por dia. A média de consumo mensurada nas capitais é de 150 litros e São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória chegam a consumir mais de 220 litros/habitante/dia. Dados de saneamento básico não são menos desanimadores: quase metade da população das capitais, o equivalente a 19 milhões de pessoas, tem seus esgotos despejados nos rios e no mar sem qualquer tratamento. E cerca de 70% dessas pessoas não têm sequer a coleta e o afastamento dos resíduos, convivendo de perto com a água contaminada. Um dos resultados é um grande número de internações na rede pública de saúde ocasionadas por doenças transmitidas pela água.
Numa breve análise sobre a situação dos recursos hídricos no Brasil e no mundo, já é possível entender melhor porque o ciclo natural da água que aprendemos na escola não está mais conseguindo cumprir sua função de renovação como deveria. E os atuais eventos climáticos resultantes do aquecimento global tornam a probabilidade de uma escassez generalizada de água ainda mais iminente. O impacto na distribuição de chuvas pode gerar secas intensas em determinadas regiões, agravando o cenário de que nem sempre a Natureza oferece a água no lugar, momento e quantidade que precisamos.
Portanto, no próximo dia 22 de Março, o Dia Mundial da Água, lembre-se que há mais motivos de alerta do que comemoração. Fique atento, se informe e faça o que puder para mudar hábitos individuais e coletivos de consumo, de forma a colaborar com o uso racional da água, a conservação dos recursos hídricos e a sua própria qualidade de vida em médio e longo prazos. A água é um recurso insubstituível e não há fontes alternativas para assegurar a saúde das pessoas e do planeta.
Fontes:
ANA – Agência Nacional de Águas: http://www.ana.gov.br/
Instituto Socioambiental (ISA) – Campanha “De Olho nos Mananciais”: http://www.mananciais.org.br/
World Water Council: http://www.worldwatercouncil.org/
Saiba mais:
Water Footprint: http://www.waterfootprint.org/
BOX: Dicas de economia de água em casa
De acordo com a Organização das Nações Unidas, cada pessoa necessita de 110 litros de água por dia para atender as necessidades de consumo e higiene. No entanto, no Brasil este consumo pode chegar a mais de 200 litros/dia, o que significa desperdício de recursos naturais e dinheiro. Veja abaixo algumas dicas de como economizar água sem prejudicar a saúde, a higiene e a limpeza da casa – elas já são bem conhecidas, mas sempre é válido reforçar:
· Tome banhos menos demorados e feche o registro na hora de se ensaboar.
· Reaproveite a água que cai do chuveiro e dos ciclos da máquina de lavar para molhar plantas e outras atividades de limpeza da casa.
· Escove os dentes também com o registro fechado e enxágüe a boca com um copo de água.
· Nunca use a privada como lixeira ou cinzeiro e nunca acione a descarga à toa, pois ela gasta muita água. Mantenha a válvula da descarga sempre regulada e conserte os vazamentos assim que eles forem notados.
· Ao lavar louça, primeiro limpe os restos de comida dos pratos e panelas com esponja e sabão e só depois abra a torneira para molhá-los. Ensaboe tudo que tem que ser lavado e, então, abra a torneira novamente para novo enxágüe. Só ligue a máquina de lavar louça quando ela estiver cheia.
· Junte bastante roupa suja antes de ligar a máquina ou usar o tanque. Não lave uma peça por vez. Caso use lavadora de roupa, procure utilizá-la cheia e ligá-la no máximo três vezes por semana.
· Use um regador para molhar as plantas ao invés de utilizar a mangueira. Para economizar, a rega durante o verão deve ser feita de manhãzinha ou à noite, o que reduz a perda por evaporação.
· Uma piscina de tamanho médio exposta ao sol e à ação do vento perde aproximadamente 3.785 litros de água por mês por evaporação. Com uma cobertura, a perda é reduzida em 90%.
· Adote o hábito de usar a vassoura, e não a mangueira, para limpar a calçada e o pátio da sua casa.
Saiba mais: Programa de Uso Racional da Água/Sabesp – http://www.sabesp.com.br/
BOX: Cobrança pelo uso dos recursos hídricos no Brasil deve gerar R$ 27 milhões em 2008
A Agência Nacional de Águas (ANA) espera arrecadar R$ 27,4 milhões nas bacias do rio Paraíba do Sul e dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) ao longo de 2008. O montante será proveniente da cobrança pelo uso da água de 347 usuários. O dinheiro arrecadado será totalmente transferido para as agências de água das bacias de origem para investimentos em ações de recuperação dos rios, conforme decisão dos respectivos comitês.O valor estimado para este ano supera o de 2007, quando ficou em torno de R$ 22 milhões. Só na bacia PCJ devem ser arrecadados R$ 17,7 milhões – os quais serão cobrados de 97 usuários de recursos hídricos: 50 da indústria; 24 de saneamento, 14 de irrigação, entre outros. Já a bacia do Paraíba do Sul conta com 250 usuários sujeitos à cobrança: são 84 da indústria; 74 de saneamento; 44 de mineração; 32 de irrigação etc. Estima-se que, juntos, eles contribuirão com R$ 9,7 milhões.
Fonte: Revista Digital Água on Line: http://www.aguaonline.com.br/
BOX: Números sobre o uso da água no mundo
Ao contrário do que muitos pensam, o setor que mais utiliza água no mundo não é o industrial, mas o da Agricultura. Estima-se que as atividades agropecuárias – irrigação, tratamento de animais e lavagem de instalações e máquinas – usem cerca de 67% dos recursos hídricos disponíveis, sendo de longe o que mais gasta e o que mais precisa de esforços para o não-desperdício e conservação.
Em segundo lugar estão as Indústrias, utilizando cerca de 23% da água do mundo como matéria-prima para produção de alimentos, papel, tecidos etc. Por último está o que se chama de Abastecimento Público, com aproximadamente 10%, que engloba o uso doméstico (distribuição à residências, hospitais, escolas, parques públicos, combate a incêndios etc) e o uso comercial (escritórios, shopping centers, bares, restaurantes etc).
Fonte: Livro “Como Cuidar do seu Meio Ambiente” (BEI)
*Publicado originalmente no informativo n. 77 (janeiro/fevereiro 2008) do Instituto Ecológico Aqualung. Versão em PDF aqui.
*Publicado também na EcoAgência de Noticias.