Curtas ambientais
Por Jaqueline B. Ramos*
Condenação em massa
Numa decisão inédita, a Justiça Federal da cidade de Eunápolis, na Bahia, condenou empresa e órgãos ambientais juntamente por desmatamento de uma área de 96 mil hectares da Mata Atlântica. A empresa é a Veracel Celulose e os órgãos ambientais são o Centro de Recursos Ambientais (CRA), de âmbito estadual, e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA. A ação foi movida pelo Ministério Público Federal, que denunciou a concessão ilegal de licenças dadas pelos órgãos para a empresa plantar eucalipto em área de mata nativa no extremo sul do estado entre os anos de 1993 e 1996.
A Veracel terá que restaurar, com vegetação nativa, a área desmatada e também foi condenada a pagar uma multa de R$ 20 milhões pelo desmatamento da Mata Atlântica. O CRA foi condenado a pagar 10% do total da multa e o IBAMA terá que apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do processo de licenciamento da Veracel.
O padre José Koopmans, de Teixeira de Freitas (BA), acompanhou todo o processo de implantação da empresa e foi um dos responsáveis pela denúncia no Ministério Público. Ele declarou para a imprensa na época da divulgação da sentença: "Apenas agora, quinze anos depois, estamos vendo o resultado das primeiras denúncias que fizemos contra a Veracel. Ficou comprovado que aquele processo de implantação sem os estudos necessários foi ilegal". Este é mais um alerta sobre a fragilidade do processo de licenciamento ambiental conduzido pelo Governo, que muitas vezes acaba concedendo licenças sem os critérios técnicos necessários.
Ainda sobre a Mata Atlântica
Mesmo reconhecendo ilegalidades cometidas contra a Mata Atlântica e com a Justiça definindo condenações que visam ajudar na sua recuperação, as notícias sobre a conservação do bioma brasileiro mais ameaçado não são muito boas. Segundo a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), um estudo realizado pela Universidade do Paraná (UFPR) conclui que a regeneração do bioma é mais complicada do que se imaginava e pode levar milhares de anos.
Com base nos dados de 18 florestas do sul e sudeste do Brasil, os pesquisadores utilizaram modelos matemáticos para calcular o tempo necessário para que a Mata Atlântica recupere suas características originais. E chegaram à conclusão que algumas áreas levariam de 100 a 300 anos para se recuperar, enquanto outras levariam de mil a quatro mil anos. Para a professora Márcia Rodrigues, do Laboratório de Ecologia Vegetal do Departamento de Botânica da UFPR, a demora para recuperar a Mata Atlântica está ligada à ação do homem no meio ambiente. "Os órgãos ambientais precisam de mais profissionais, pois seus trabalhos ficam aquém do esperado. Além disso, é necessário dar condições econômicas para a população carente que vive próxima às áreas, que acaba usando os recursos da floresta.”
Alimentos X Biodiesel
No cenário de conflito entre alimentos e biodiesel, que vem ganhando manchetes internacionais, um projeto de lei brasileiro tem como objetivo criar um sistema de controle para que a produção de alimentos não fique comprometida. Trata-se do PL 3508/08, do deputado Cleber Verde (PRB-MA), que obriga o produtor rural a plantar um hectare de alimentos para cada hectare que cultivar com lavouras destinadas à produção de biodiesel.
O texto do PL define que o produtor rural informará anualmente ao órgão competente a destinação de suas áreas de lavouras e terá prazo de três anos, contados da data de vigência da lei, para se adaptar às regras. Quem violar a lei ficará impedido de obter financiamentos com recursos do crédito rural por, no mínimo, cinco anos, além de outras sanções definidas em regulamento.
Na avaliação do autor do PL, o Brasil tem perseguido agressiva política de promoção da produção de biodiesel, além da produção de etanol. "A posição do governo é que o país dispõe de terra suficiente para produzir alimentos e combustíveis, não tendo de optar entre um ou outro. Mas o governo esquece que são necessários "investimentos pesados" para correção e descompactação do solo, fertilização e combate de pragas”, declarou o deputado. O PL está sendo analisado, em caráter conclusivo, por comissões da Câmara dos Deputados.
Boas e más notícias para os primatas
Os últimos meses foram de boas e más notícias para os primatas. Enquanto primatólogos anunciavam a descoberta de 125 mil gorilas-da-planície-ocidental nas profundezas da floresta equatorial da República do Congo, um levantamento divulgado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) indica que quase metade das espécies de primatas corre risco de extinção.
Começando pela notícia boa, a descoberta no Congo foi muito celebrada pelo fato dos gorilas estarem entre os primatas mais ameaçados do mundo, pela pressão de caça e do vírus Ebola. E acredita-se agora que a população estimada da espécie possa dobrar. Levantamentos feitos nos anos 80 indicavam que a população dos gorilas era inferior a 100 mil indivíduos e previa-se um declínio de, pelo menos, 50% desde então. Agora estima-se que a população real deve estar entre 175 mil e 225 mil gorilas.
Mas nem por isso os conservacionistas devem relaxar achando que os animais estão salvos. "Não podemos nos tornar complacentes. O Ebola é capaz de matar milhares deles num período muito curto", afirmou para a imprensa Emma Stokes, membro da equipe de pesquisa com os grandes primatas. Nesta mesma linha mais alarmista, a IUCN divulgou a notícia ruim: quase metade das 634 espécies e subespécies dos parentes mais próximos do homem corre risco de desaparecer. A pior situação estaria na Ásia, onde 71% dos primatas foram classificados como "vulneráveis", "ameaçados" ou "criticamente ameaçados".
Segundo a IUCN, a destruição de habitats naturais e, mais recentemente, a caça para o comércio ilegal ou a alimentação explicam a dizimação das espécies. Na América do Sul, a IUCN considera que 40% das espécies de primatas estão correndo perigo e apresentou, no meio do alarme, um caso brasileiro como sinônimo de sucesso: a preservação de micos-leões na Mata Atlântica. Na lista vermelha, a IUCN passou a considerar como “ameaçadas" – e não "criticamente ameaçadas" - duas espécies de micos-leões, os dourados e os pretos.
Estrada amiga dos animais
O Brasil ganha uma estrada 'amiga dos animais'. Com o intuito de diminuir as mortes por atropelamento, que hoje são consideradas como a segunda maior causa da perda de biodiversidade em todo o planeta, ficando atrás apenas da destruição dos ambientes naturais, a rodovia ES-060 (Rodovia do Sol), no Espírito Santo, conta com profissionais que percorrem a estrada recolhendo e identificando os animais atropelados. A intenção é entender os padrões dos acidentes para assim elaborar novas maneiras de lidar com o problema.
A rodovia, que corta três unidades de conservação e liga Vitória e Guarapari, é a única que realiza o monitoramento sistemático de animais silvestres atropelados. As rondas na estrada são feitas a cada 90 minutos, todos os dias do ano e durante 24 horas, num trecho de 57,7 km. Nos Estados Unidos 1 milhão de vertebrados são atropelados por dia em rodovias. No Brasil, apesar de não existirem estimativas sobre o número de animais mortos nessa situação, acredita-se que o índice também seja elevado.
Só faltava essa!
Se não bastassem todos os problemas já enfrentados pela Amazônia, um órgão governamental da Malásia anunciou em julho a intenção de introduzir plantações para extração de óleo de palma na floresta. O Departamento para Desenvolvimento de Terras da Malásia (FELDA, em inglês) declarou que pretende plantar, imediatamente, 100 mil hectares de palmeiras na Amazônia Brasileira. Para o governo do país asiático, a introdução da produção de óleo de palma na Amazônia poderia servir como um modelo de uso sustentável da terra. Mas para os ambientalistas, que já conhecem todos os problemas de destruição de florestas tropicais ligados à extração do óleo de palma, a “exportação” da atividade para a maior floresta tropical do mundo é motivo de muita preocupação.
Fome Zero?
Permitir a caça eventual e em quantidade insignificante de animais silvestres para subsistência do vendedor ou de sua família. Esta é a “proposta de fome zero” do deputado amazonense Silas Câmara, do Partido Social Cristão, autor do Projeto de Lei 2.800/2008. O parlamentar defende sua proposta citando um caso recente de um pai de cinco filhos menores que foi preso por vender periquitos em Manaus. Câmara deu a seguinte declaração à imprensa: “Ele não teria outra forma para sustentar a família. Enquanto isso, os verdadeiros predadores da nossa fauna, os grandes traficantes de animais silvestres, inclusive com redes de tráfico internacional, continuam livres para praticar seus delitos.”
Para Ana Nira Junqueira, médica veterinária consultora da Sociedade Mundial de Proteção aos Animais (WSPA, em inglês), “o projeto é um retrocesso. Abre brechas para traficantes e oportunistas seguirem atuando. A solução é o governo dar condições para que as pessoas vivam dignamente sem cometer crimes ou afetar a conservação das espécies.” O diretor de Uso da Biodiversidade e Florestas do Ibama tem a mesma opinião. Segundo Antônio Carlos Hummel, “o projeto do parlamentar é puro equívoco. Também é muito subjetivo, pois não detalha o que seria uma caça eventual e em quantidade insignificante. A lei já permite a venda de animais silvestres, desde que venham de criadouros autorizados.”
Circo legal não tem animal
Os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Paraíba e quase 50 cidades, entre as quais Curitiba, Florianópolis e Campo Grande, já têm leis que proíbem o uso de animais em circos. Manter animais em cativeiro para demonstração em espetáculos é uma prática arcaica e o seu fim em todo o país é, se tudo der certo, apenas uma questão de tempo.
O Projeto de Lei 7291, de 2006, está sob análise da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. O projeto dispõe sobre o registro dos circos e o emprego de animais da fauna silvestre brasileira e exótica na atividade circense. Já foi apresentado na Câmara parecer favorável à proibição de animais em espetáculos, mas a pressão dos proprietários de circos pela manutenção da prática é grande e tem influenciado muitos políticos.
No dia 4 de novembro, uma audiência pública no Congresso Nacional abrirá o assunto para discussão e isso definirá, em grande parte, o fim ou não do uso de animais em circos no Brasil. A aprovação de uma lei federal que proíbe o uso de animais em circos colocará o Brasil ao lado de países como Áustria, Dinamarca, Finlândia e Índia, que já oficializaram o fim de circos com animais em seus territórios.
Abaixo assinado para o Congresso Nacional pedindo o fim do uso de animais em circos no Brasil - http://www.petitiononline.com/circobr/petition-sign.html
Pecuária vilã
Cientistas e pesquisadores brasileiros que se reuniram em agosto em Cuiabá, Mato Grosso, na 8ª Conferência Internacional de Áreas Úmidas, lançaram a seguinte conclusão: assim como a Amazônia, a pecuária intensiva também ameaça o Pantanal. A maior planície alagada do mundo já teve 17% da sua paisagem natural devastada e dados da Embrapa de 2004 sugerem que a pecuária intensiva é a grande responsável pela alteração da sua paisagem.
Walfrido Tomás, especialista em gestão da biodiversidade da Embrapa Pantanal, declarou para a BBC Brasil no decorrer da conferência: “a pecuária intensiva está se difundindo no Pantanal, principalmente por meio de pessoas de fora da região, e tem desmatado muito mais do que a tradicional pecuária pantaneira”. De acordo com os cientistas, a pecuária tradicional é mais compatível com o ecossistema do Pantanal porque o pantaneiro vive de acordo com o ciclo das águas da região, não desmata para plantar pasto artificial e sabe quais plantas podem retirar do pasto natural.
Estabilize agora!
Em julho, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) fez mais uma afirmação alarmante sobre os efeitos das mudanças climáticas no mundo. Segundo o órgão, a humanidade tem apenas sete anos para estabilizar as emissões de gases que causam o efeito estufa. "Temos uma janela de oportunidade de apenas sete anos, pois as emissões terão que chegar ao máximo até 2015 e diminuir depois disso. Não podemos permitir um atraso maior", explicou declarou Rajendra Pachauri, presidente do IPCC.
A declaração do IPCC foi feita durante uma reunião do órgão com ministros da União Européia ocorrida em Paris. Ainda de acordo com o órgão, as tentativas de enfrentar o problema vão fracassar se o bloco europeu não assumir a liderança nas negociações mundiais. "Se a União Européia não liderar, temo que qualquer tentativa de fazer mudanças e de gerenciar o problema da mudança climática vá desmoronar. Vocês não conseguirão trazer os Estados Unidos para as negociações”, afirmou Pachauri durante o encontro.
Fontes: Ambiente Brasil, RMA, Agência Brasil, BBC Brasil, O Globo on line, Agência Envolverde, O ECO
* Publicado no Informativo do Instituto Ecológico Aqualung (n. 80 - julho/agosto 2008). Acesse aqui.
terça-feira, setembro 23, 2008
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