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Por Jaqueline B. Ramos*
O biólogo Ricardo Nehrer é vegetariano há 26 anos e sempre que possível procura comprar alimentos orgânicos. Ele acredita que o consumo de orgânicos significa proteção ao próprio corpo, no sentido integral – físico, mental e emocional – por conta dos agrotóxicos e efeitos sinérgicos dos venenos usados na agricultura tradicional. No entanto, Ricardo diz que além do preço e da disponibilidade dos produtos orgânicos no mercado, uma das dificuldades em relação ao consumo de orgânicos é a certificação, que ainda é uma dúvida que paira sobre os consumidores, principalmente para os que estão em fase transição de dieta.
A vontade de consumir orgânicos indo de encontro às dúvidas sobre a confiabilidade na certificação desse tipo de produto, como colocado por Ricardo, é um questionamento comum entre quase todos os vegetarianos. Primeiramente, onde acho alimentos orgânicos para comprar? E quando acho, o que devo verificar para ter certeza e confiar que realmente estou comprando e consumindo um produto livre de uso de agrotóxicos e outros venenos?
Uma boa notícia é que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) está finalmente regulamentando a atividade no país. Desde o dia 29 de dezembro de 2007 a agricultura orgânica no Brasil passou a ter critérios para o funcionamento de todo o seu sistema de produção, desde a propriedade rural até o ponto de venda. Até então não existia, por mais incrível que isso possa parecer, critérios definidos que regulamentassem a atividade no país – que atualmente tem 15 mil produtores numa área estimada de 800 mil hectares.
O que acontecia é a atuação de mais de 20 certificadoras “carimbando” produtos com o atestado de orgânicos. Para o consumidor final, tamanha diversidade de entidades pode gerar dúvidas em relação à confiabilidade no selo – principalmente os das certificadoras que são menos conhecidas - e à procedência do produto. Em que selo devo confiar? Será que os critérios de uns são mais “justos” do que os de outros?
“Hoje as certificadoras usam critérios diferentes e alguns divergem, o que não quer dizer que uma certificadora é melhor que a outra. A questão é que isso gera um debate sobre a credibilidade e acaba confundindo o consumidor final. A regulamentação é um avanço, tanto para o consumidor como para o mercado em si, pois também estimula mais investimentos no setor”, explica Ming Liu, coordenador da Organics Brasil, um projeto que engloba mais de 70 produtores e visa agregar valor aos produtos orgânicos brasileiros principalmente para o mercado de exportação.
O Decreto nº 6323, publicado em dezembro de 2007, regulamenta a Lei nº 10.831/2003, que trata sobre a produção, armazenamento, rotulagem, transporte, certificação, comercialização e fiscalização dos produtos e cria o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica. Em termos práticos isso significa que o Governo vai credenciar, acompanhar e fiscalizar os organismos responsáveis pela avaliação da conformidade orgânica e que está sendo criado um selo único para “carimbar” um produto nacional como orgânico.
O processo de regulamentação está tramitando e a regulamentação começará a valer de fato em janeiro de 2010. No início desse ano o MAPA abriu uma consulta pública para o modelo de selo orgânico que passará a ser usado para todos os produtos certificados como orgânico. Isso significa que o consumidor não terá mais que avaliar diferentes selos, e sim prestar atenção se o produto tem o selo nacional.
“Não há dúvidas de que a legislação só traz benefícios para o setor e que facilitará bastante a vida do consumidor, que precisa sempre estar muito bem informado sobre os critérios que fazem um produto ser considerado orgânico para fazer sua opção de compra”, diz Ming Liu.
Produção local e preço: A partir do ano que vem o consumidor poderá fazer qualquer questionamento de dúvidas sobre produtos orgânicos diretamente aos fiscais do Ministério de Agricultura. Por outro lado, os varejistas (supermercados e lojas especializadas) também serão responsáveis pelos alimentos que vendem e poderão ser multados caso não sigam as regras estabelecidas. Mas por hora, até a nova legislação de fato começar a funcionar, o momento é de o consumidor se informar para entender de forma cada vez mais clara como funciona o processo de produção orgânica e fazer a sua escolha com plena consciência.
“O consumidor deve estar sempre muito atento. Hoje há produtos à venda que colocam a palavra orgânico no rótulo, ou as palavras "feito com ingredientes orgânicos”, como uma maneira de atrair consumidores. Para que um alimento seja realmente orgânico pelo menos 95% dos ingredientes devem ser orgânicos”, esclarece Sylvia Wachsner coordenadora OrganicsNet, um projeto da Sociedade Nacional de Agricultura que apóia pequenos e médios produtores orgânicos na profissionalização de seus negócios.
No caso de legumes, verduras e alimentos frescos, o processo de produção orgânica é certificado de acordo com os critérios estabelecidos pelo organismo certificador. Para os produtos industrializados, o processo é certificado e há a exigência de que os ingredientes usados sejam orgânicos certificados. Existem até casos de empresas que produzem de forma convencional e orgânica, em lotes e espaços devidamente separados.
Quando o assunto é certificação de carne orgânica, há ainda algumas controvérsias sobre a real sustentabilidade da produção (ver boxe). No caso de cosméticos também há uma discussão conceitual sobre o uso ou não de ingredientes sintéticos. Porém, critérios e discussões à parte, é preciso que o consumidor exercite seu poder de discernimento para fazer a escolha pelo produto que mescle responsabilidade ambiental e social e benefícios para a sua saúde. Neste cenário entra o conceito de produção local, considerado por alguns especialistas como a evolução do conceito de alimentos orgânicos.
Mais do que a eliminação de impacto ambiental negativo, o que faz uma produção ser considerada orgânica é o fato de praticar o equilíbrio entre o ambiental, o social e o econômico. Ou seja, não basta eliminar o uso de agrotóxicos, é preciso pensar em toda a cadeia produtiva, passando pelas condições de trabalho dos profissionais envolvidos, a geração de renda para comunidades tradicionais e o impacto do armazenamento e transporte dos produtos. A resposta para associar todas essas características em um único produto muitas vezes passa pela produção local.
É uma questão de escolha: mais vale comprar um quilo de frutas orgânicas certificadas produzidas há vários quilômetros de distância da sua casa ou comprar um quilo de frutas produzidas, de forma mais artesanal, por uma cooperativa ou comunidade local de sua região, que pode ainda não ter condições de custear o processo de certificação? A decisão final cabe ao consumidor a partir de sua análise do que considera mais orgânico no sentido conceitual da palavra. Devido a grandes redes de lojas de produtos orgânicos, como a Whole Foods, nos Estados Unidos esta discussão está mais avançada no sentido de questionar se é possível aliar produção orgânica com produção em larga escala.
Outra variável que está sempre presente na opção pela compra de um produto orgânico é o preço, que invariavelmente ainda é bem maior, no Brasil, do que os dos produtos convencionais. “Os alimentos orgânicos são mais caros por diversos fatores: são produzidos por centenas de pequenos agricultores familiares em pequenas áreas, ou seja, não temos escala de produção. O custo da logística de levar pequenos volumes de produtos orgânicos é também muito elevado. A certificação ainda é muito onerosa. O prazo de conversão da agricultura convencional para orgânica é de uns dois ou três anos, tempo no qual a produtividade cai, causando prejuízo aos produtores”, explica Sylvia, da OrganicsNet.
Numa explicação mais simplista, o preço mais alto pode ser explicado pela velha lei da oferta e demanda. Na Europa e Estados Unidos, onde a produção e consumo de orgânicos se mostram mais avançados, o custo dos produtos certificados não fica acima de 30%, em média. E nos últimos meses, mesmo com a crise econômica, se assistiu a uma diminuição da produção, mas não do consumo.
O Brasil é o terceiro país com maior área certificada para produção de orgânicos no mundo, ficando atrás somente da Austrália e Argentina. Só que a maior parte do que é produzido nacionalmente seguindo critérios de produção orgânica é direcionada ao mercado internacional. A falta de regulamentação para o setor era, até então, um problema, até para medir estatísticas e avaliar a evolução do mercado interno. Mas é fato que a agricultura orgânica cresce no Brasil, numa faixa estimada de 20 a 30% ao ano. Supermercados continuam incrementando seus produtos e o espaço em prateleiras, investindo em orgânicos, o que indica que existe um negócio em expansão.
“Sempre terá uma diferença de preço entre um produto convencional e um orgânico, mas há condições desta diferença ficar cada vez menor, e aí o produto orgânico vira uma commodity. Para tal precisamos não só ter legislação adequada, mas também de educação dos consumidores, que devem primeiramente receber informações para ter condições de fazer a opção pelo orgânico e progressivamente aumentar a porcentagem de consumo”, conclui Ming Liu.
Dicas para o consumidor de produtos orgânicos
1 – Informe-se: procure sempre informações sobre o que são os alimentos orgânicos e se informe sobre o local de sua origem e modo de produção, suas vantagens para a saúde e para o meio ambiente, os critérios de certificação, o porquê os preços serem superiores etc. O ato de consumir produtos orgânicos é, antes de tudo, um ato de consumo consciente, que só é possível com informação, esclarecimento e conscientização.
2 – Segurança alimentar: não confunda orgânicos com segurança alimentar. Não é porque um alimento é orgânico que não deve ser higienizado e manuseado da forma como é aconselhada para preservar a saúde do consumidor. Ou seja, é preciso lavar frutas, legumes e verduras orgânicas da mesma forma como as convencionais.
3 – Analise a cadeia produtiva: além dos critérios de certificação orgânica, procure analisar a cadeia produtiva do alimento como um todo, baseado nas informações que tiver sobre a origem e processo para obtenção do produto. Considere as vantagens relacionadas à produção local em sua região para analisar os ativos e passivos socioambientais e fazer a escolha do melhor produto para consumo.
A controversa carne orgânica
Para um público de vegetarianos, falar sobre controvérsias no que é chamado de processo de produção de carne orgânica é algo óbvio. A proposta de “bois felizes” é controversa e gera muita discussão, mas é fato de que o filão “pecuária orgânica” está em expansão no Brasil, refletindo o próprio crescimento da pecuária industrial para exportação. Por mais que existam regras de manejo e origem do animal, alimentação, medidas sanitárias, medicamentos e métodos de transporte e abate, questões relacionadas tanto ao bem-estar dos animais como o direito de usá-los para alimentação não ficam fora da discussão.
E os próprios especialistas da área de orgânicos ressaltam que a criação de animais para alimentação de forma orgânica ainda carrega algumas contradições no que diz respeito aos impactos ambientais e sociais propriamente ditos. “Um peixe hoje para ser considerado orgânico só pode ser de criação em tanque, tratado com ração orgânica. Mas isso é muito discutível, porque os impactos ambientais de fazendas marinhas são muito grandes. Sem contar o impacto para pescadores mais tradicionais”, exemplifica Ming Liu, coordenador da Organics Brasil.
Benefícios dos alimentos orgânicos
Atualmente todos sabem que um alimento orgânico é muito mais que um produto sem agrotóxicos. Na verdade, ele é resultado de um sistema de produção agrícola que busca o equilíbrio entre todos os recursos naturais envolvidos na agricultura (solo, água, plantas, animais, insetos etc.) e os seres humanos. Esta prática da agricultura aplicada em harmonia com a natureza é chamada de agroecologia.
E além dos benefícios para o meio ambiente e para as pessoas envolvidas num processo agroecológico, já está mais do que comprovado que o alimento orgânico tem vantagens significantes para a saúde do consumidor. Não só pelo fato de ter quantidades ínfimas de patógenos e resíduos químicos, mas também por ter maior valor nutricional em comparação com o alimento de origem agrícola convencional. Ou seja, a teoria de que adubos químicos garantem maior valor nutricional simplesmente cai por terra.
A riqueza nutricional dos alimentos orgânicos foi devidamente oficializada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) depois da divulgação de uma pesquisa no Journal of Applied Nutrition (Jornal da Nutrição Aplicada), em 1993. A pesquisa foi realizada em Chicago, nos Estados Unidos, e analisou amostras de maça, batata, pêra, trigo e milho, orgânicos e convencionais. E a conclusão foi surpreendente no que diz respeito à diferença acentuada no conteúdo de alguns minerais essenciais – e na quantidade de mercúrio, substância extremante prejudicial à saúde. Veja abaixo os principais resultados:
MINERAL % superior do alimento orgânico
Cálcio 65
Ferro 73
Magnésio 118
Molibdênio 178
Fósforo 91
Potássio 125
Zinco 60
Mercúrio MENOS 29 %
*Publicado na edição de junho 2009 da Revista dos Vegetarianos