domingo, fevereiro 17, 2008


Revista dos Vegetarianos n. 16 (fevereiro 2008) - Link para a revista: http://www.europanet.com.br/revistadigital/?modulo=exibe_produto&id_produto=9946016
Moda consciente
Por Jaqueline B. Ramos

É bem provável que todo vegetariano concorde que a decisão de cortar carne e ingredientes animais da dieta alimentar é apenas o ponto de partida de um estilo de vida diferenciado. Quando nos tornamos herbívoros queremos que a ideologia perpasse todo o nosso cotidiano. Inclusive o das roupas que vestimos. Couro, pele, lã, seda, penas e outros materiais que impõem sofrimento a animais para serem obtidos saem definitivamente de moda. Entram em cena materiais sintéticos e derivados de fibras naturais num estilo que é chamado veg fashion, ou moda sem crueldade, um novo olhar sobre o que realmente é ser chic.

Como o próprio nome deixa bem claro, veg fashion é um conceito baseado nos preceitos de não exploração dos animais por capricho e acomodação do bicho-homem. Não restam dúvidas de que não precisamos de peles de animais como roupas, visto o grande número de recursos sintéticos e naturais, como algodão, bambu e cânhamo, só para citar alguns exemplos, já encontrados no mercado. No entanto, vestir roupas ou usar acessórios feitos de peles genuínas e outras matérias-primas animais ainda é categorizado como luxuoso, ou “glamouroso”, na linguagem da moda.

O resultado de tamanha futilidade (com perdão da palavra) é o sofrimento e morte de milhares de animais todos os dias. Segundo estimativas da Fur-Free Alliance, uma coalização internacional formada por cerca de 30 organizações de proteção animal, a indústria da pele mata por ano cerca de 50 milhões de animais para o mercado da moda, de lobos a esquilos (e o levantamento nem inclui coelhos, por falta de números oficiais). E para piorar a situação, uma investigação da ONG Humane Society, dos Estados Unidos, no final da década de 90 divulgou a matança indiscriminada de gatos e cachorros na China e outros países asiáticos. Os animais, alguns de raça e outros de rua, são abatidos covardemente depois de semanas de confinamento e sua pele abastece a indústria de roupas, acessórios, e bugigangas em geral que são exportadas para todo o mundo.

“Minha maior crítica é que milhares de animais são criados em cativeiro somente para este fim, muitas vezes de forma clandestina. Sem contar os problemas do mercado ilegal com a caça, armadilhas e o tráfico. E mesmo assim ainda existe um glamour que sustenta esta crueldade. Grifes internacionais como Prada, Yves Saint-Laurent e Vogue América, por exemplo, ainda valorizam peças de pele real, propagando a idéia de que usá-las é elegante. O maior desafio é mudar a mente das pessoas em relação a este conceito”, diz Danielle Ferraz, jornalista de moda e vegetariana, autora de artigos sobre crueldade com animais na moda e diretora das duas edições do desfile “Veg Fashion”, ocorridos em 2004 e 2006 nas cidades de Florianópolis e São Paulo durante congressos vegetarianos.

Novas tendências

Mas apesar dos absurdos de exploração de animais cometidos em nome da moda, o cenário aponta algumas boas notícias em prol da veg fashion. A estilista inglesa e vegetariana Stella MacCartney lidera campanhas internacionais anti-pele e apresenta para o mundo todos os anos coleções de roupas livres de crueldade admiradas pelos maiores especialistas do mundo fashion. Acompanhando a tendência, nos últimos dois anos estilistas renomados como Ralph Lauren, Calvin Klein, Kenneth Cole e Tommy Hilfiger declararam publicamente a resolução de não usar mais peles e materiais de origem animal em suas criações. E o melhor: puramente pela questão ética.

Enquanto isso a organização PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) continua a todo vapor com seus protestos em parceria com celebridades usando o slogan “prefiro ficar nu a usar peles”. Com destaque para a campanha “Voguesucks.com”, que critica explicitamente Anna Wintour, editora da revista Vogue norte-americana, pela promoção e uso de casacos, vestidos e outras peças de peles genuínas e conscientização zero em torno do sofrimento e morte dos animais. “Nós sempre estamos procurando por novos jeitos de conscientização sobre o sofrimento extremo pelo qual os animais passam nas fazendas onde se tiram suas peles e nas armadilhas cruéis que o homem espalha na natureza”, declarou Ingrid Newkirk, presidente da PETA em julho do ano passado na ocasião de uma campanha em conjunto com Stela MacCartney na comunidade virtual Second Life.

No Brasil, os desfiles “Veg Fashion”, idealizados pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), foram precursores no objetivo de mostrar os bastidores da moda que não se preocupa com os materiais que utiliza e valorizar as novas grifes conscientes que oferecem peças livres de crueldade. A presidente da SVB, Marly Winckler, que criou o conceito do desfile, acredita que cada vez mais se alastra essa consciência sobre as atrocidades cometidas contra os animais, seres indefesos e sensíveis, para se obter materiais utilizados nas roupas. “Neste último Carnaval a SVB participou de um desfile da escola de samba Imperador do Ipiranga, de São Paulo, cujo tema foi “a salvação do planeta é o bicho”. Abordamos a questão e não permitimos o uso de nenhum material de origem animal nas fantasias”, conta Marly.

Ético e mais barato

Moda sem crueldade é um conceito amplo que alia questões éticas, sociais e ambientais. Não se pode (nem se deve) pensar em acabar com a exploração de animais sem considerar o contexto mais holístico de destruição de ambientes naturais e hábitos insustentáveis praticados pelo homem nos dias atuais. “A questão básica é o consumo ético e consciente, respeitando os animais e o meio ambiente. Não faz o menor sentido a utilização de peles e couros em roupas. Tanto pelo sofrimento dos animais como pelos graves impactos ambientais associados à criação intensiva ou captura ilegal dos animais para este fim”, afirma a presidente da SVB.

Quando se fala do contexto que alia conservação ambiental e respeito aos animais, há até pessoas que argumentam que materiais de origem animal seriam mais naturais e ambientalmente mais corretos do que os sintéticos. No entanto, pode ser demonstrado que é justamente o contrário. “O couro, como a pele de qualquer ser vivo, irá se deteriorar e se decompor caso não seja curtido. E o processo de curtume é um dos mais impactantes existentes, pois envolve muitas substâncias químicas pesadas que são extremamente prejudiciais ao meio ambiente e para as pessoas que as estão manuseando”, explica Josh Hooten, fundador da Herbivore Clothing Company, loja virtual de roupas e acessórios criada em 2002 na cidade de Portland, nos Estados Unidos.

O conceito da Herbivore Clothing Company nasceu da necessidade de seus donos, o casal Josh e Michelle Schwegmann, usarem roupas pelas quais pudessem expressar com estilo suas idéias sobre veganismo e direitos animais. Há cinco anos eles não achavam opções no mercado e começaram a produzir e desenvolver as idéias por conta própria. Hoje os estilistas e empresários têm em mente que o foco de sua marca é direitos animais, mas sabem que este conceito leva à discussão e análise de outras questões extremamente relevantes, como impactos ambientais, não respeito a direitos humanos e danos à saúde.

“Não fazemos as estampas de nossas camisetas em lojas que exploram seus empregados e já usamos em algumas peças malha de algodão orgânico, o que pretendemos expandir para toda a coleção no futuro. Tudo isso faz parte da mensagem passada pela roupa. E há muitas opções de materiais para isso. Eu mesmo não uso couro, lã, seda e outros materiais do tipo por quase uma década e nunca senti falta ou deixei de achar uma opção que não tivesse origem animal”, ressalta Josh.

Reforçando a opinião do norte-americano, a jornalista Danielle Ferraz explica que a indústria têxtil se desenvolveu o suficiente para oferecer opções sintéticas alternativas (e ambientalmente mais equilibradas) que substituem praticamente todos os materiais de origem animal. E isso tudo com uma grande vantagem: o custo de produção do material sintético é mais barato que o de produção de material de origem animal. “Os sintéticos e os materiais naturais geralmente saem mais em conta para o consumidor. E poderiam ser ainda mais baratos se a procura por estas opções fosse maior”, explica Danielle.

Como em qualquer atividade econômica, na veg fashion também vale a lei da oferta e procura. Quanto maior a demanda, as opções de oferta crescem, refletindo num preço final mais competitivo e menor. Portanto, para a moda sem crueldade não sair de moda, basta uma procura maior por parte dos consumidores em geral.

“O papel do consumidor é parar e pensar de onde estão vindo suas roupas. Todo mundo concorda que é errado abusar e torturar animais e não deseja sustentar um processo desses, ainda mais com várias alternativas mais conscientes que podem ser usadas”, diz Josh. “O consumidor ético se informa e se preocupa com a procedência do que consome, vendo todos os ângulos da questão. Hoje começa a haver reação às barbaridades cometidas no campo do consumo e campanhas e organizações estão chamando a atenção para o comércio justo. Esse é o caminho”, opina Marly.

Marcas no mesmo estilo da Herbivore são mais comuns nos Estados Unidos e Europa (veja box com dicas e opções de compras de roupas cruelty-free / livres de crueldade). No Brasil o conceito é mais novo, porém a consciência é crescente e as opções de veg fashion vão surgindo e se estabelecendo. A questão é que algumas grifes brasileiras estão bem avançadas no campo ambiental, usando materiais orgânicos e/ou reciclados, mas nem sempre são tão criteriosas com o não uso de materiais de origem animal. A última Fashion Week de São Paulo, por exemplo, incorporou o conceito de meio ambiente a partir dos materiais utilizados, o que já pode ser considerado um grande avanço. A expectativa agora é que esta tendência avance e se aprofunde, eliminando também os materiais provenientes de peles, couros e outros derivados de animais.

O mais importante é saber que uma moda livre de crueldade é possível e é feita com informação. Se você já conhece a realidade por trás da exploração animal para roupas, sapatos e acessórios, procure usar o conhecimento que têm para incorporar novos hábitos. Questione a origem do material de suas roupas e seja mais criterioso nas compras. Se já sabe como se vestir com estilo sem a carga da crueldade, passe a idéia para seus amigos e familiares mostrando-lhes opções práticas de compras mais conscientes. Afinal de contas, como bem resume o slogan do desfile “Veg Fashion”, chic é ser consciente. E ninguém em sã consciência quer ser cúmplice de exploração, covardia e maus-tratos a qualquer ser vivo.

Saiba mais:

Fur Free Alliance - http://infurmation.com/
PETA - http://www.peta.org/actioncenter/clothing.asp e http://http://www.voguesucks.com/
Fur-Free Campaign - http://www.hsus.org/furfree/campaigns/legislation.html

A crueldade no guarda-roupa

Couro: Milhares de vacas, porcos, ovelhas, cabras, entre outros animais, são abatidos todos os anos para utilização de sua carne e também de sua pele, que se torna couro, camurça, nobuk etc. Alguns outros animais, como raposas, esquilos e até lobos, são criados em cativeiro e fazendas especificamente para este fim, tendo às vezes a pele retirada quando ainda estão vivos. Mais recentemente se descobriu que até gatos e cachorros são vítimas da indústria da pele.

Para a pele do animal se tornar couro ela precisa passar pelo processo de curtume, no qual são usadas várias substâncias químicas perigosas, tanto para o meio ambiente como para o homem. Levantamentos oficiais comprovam que pessoas que trabalharam ou que moraram próximas a plantas de curtume são comumente vítimas de câncer, devido à exposição às toxinas.

Lã: A tosa de carneiros e ovelhas para retirada da lã não é um processo natural e compromete o bem-estar dos animais, que precisam de sua pelagem para se proteger do frio. Além disso, como o material é pago por volume, a tosa é feita sem cuidado e de forma exagerada, machucando os animais. A indústria da lã, através da criação intensiva dos animais, também é responsável por impactos no meio ambiente através da poluição de água e emissão de uma grande quantidade de gás metano na atmosfera.

Seda: A seda é um material resultante dos fios produzidos pelo bicho-da-seda para tecer o seu casulo, onde de lagarta o inseto se transforma em mariposa, atingindo sua idade adulta para reprodução. Para obtenção da seda os insetos foram domesticados pelo homem em ambientais artificiais e são mortos dentro do casulo, do qual são retirados os fios.


Algumas dicas na hora das compras

A primeira dica é sempre olhar etiquetas para saber o material utilizado nas roupas que pretende comprar. Você vai se surpreender que é muito mais fácil achar opções de sintéticos e fibras naturais do que podia imaginar.

Para artigos de couro, como sapatos, cintos e jaquetas, procure sempre o que diz na etiqueta. Se a informação não for clara em relação a ser sintético, pergunte ao vendedor. E uma boa dica para evitar couro é observar e comparar os preços. Geralmente o sintético é pelo menos metade do preço mais barato que o couro de animal. No caso de lãs, fique atento, pois nem sempre elas estão muito aparentes nas peças. Algumas calças e casacos, por exemplo, podem ser feitos de lãs em combinação com outros materiais, o que também sempre poderá ser descoberto pela etiqueta. Substitua pashminas e cashmeres por lãs de polyester ou algodão ou tecidos térmicos sintéticos, desenvolvidos a partir de materiais alternativos e mais resistentes a frio e vento do que a lã.

A seda por ser substituída por tecidos alternativos como nylon, polyester e o rayon, uma espécie de seda artificial. E até para quem gosta de roupas e acessórios “de pele”, o mercado já oferece variadas opções de peças de pele falsa confeccionadas a partir de materiais sintéticos. Uma boa forma de verificar se uma peça é de pele verdadeira ou falsa é fazer um teste simples e rápido. Esfregue um pouco de pêlo entre o polegar e o dedo indicador. Se você sentir o pêlo macio e fácil de manusear entre os dedos, provavelmente é pele genuína. Caso sinta o contrário, o pêlo mais áspero, a pele é sintética.

Onde comprar roupas livres de crueldade

Brasil


· Vegan Pride (Acessórios, camisetas e produtos livres de crueldade)
Av. São João, 439, loja 424 Centro, São Paulo – SP Tel.: (11) 3362 0897
Vendas pela Internet e entregas em todo o país
http://
http://www.veganpride.com/

· King 55 (Camisetas e jeans. Sustentabilidade e luta contra a exploração animal)
Rua Harmonia, 452 Vila Madalena São Paulo – SP Tel.: (11) 3032 1838
http://www.king55.com.br/

· XBloodlineX Clothing (produtos livres de crueldade animal)
Vendas pela Internet e entregas em todo o país
http://www.xbloodlinex.com.br/inicio.html

· Maria Simone (Bordado manual e customização. Parceria com ONGs Adote um Gatinho, Arca Brasil e Bicho no Parque)
Rua Wisard, 287 Vila Madalena, São Paulo – SP Tel.: (11) 3815 5392/ 3811 9335
http://
http://www.mariasimone.net/

· Vista-se (Camisetas vegetarianas)
http://www.vista-se.com.br/

· Tree Tap (Couro vegetal da Amazônia)
http://www.treetap.com.br/

Exterior (compras pela Internet)

· Herbivore Clothing Company
http://herbivoreclothing.com/

· Alternative Outfitters
http://www.alternativeoutfitters.com/

· Moo shoes
http://www.mooshoes.com/

· Vegetarian shoes
http://www.vegetarian-shoes.co.uk/

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