Por Jaqueline B. Ramos*
Várias são as denominações usadas para definir uma atividade turística sustentável, aquela em que o turista deixa de ser um mero elemento em busca de diversão, descanso e/ou consumo e se torna um visitante consciente em busca de conhecimento, contemplação e atividades que tenham um diferencial em termos de sustentabilidade socioambiental. De turismo responsável a ecoturismo, passando por turismo ecológico ou de natureza, cada um tem a sua característica. Mas todos têm um ponto em comum que os caracterizam como atividades especiais: o respeito pelo meio ambiente, pela biodiversidade e pelas tradições socioculturais das localidades visitadas.
Segundo o Acordo de Mohonk, assinado por 20 países num evento realizado nos Estados Unidos em 2000, Turismo Sustentável é aquele que busca minimizar os impactos ambientais e sócio-culturais, ao mesmo tempo em que promove benefícios econômicos para as comunidades locais e destinos (regiões e países). O evento discutiu pela primeira vez os princípios e componentes que deveriam fazer parte de um programa sólido de certificação de turismo sustentável e ecoturismo (o turismo sustentável em áreas naturais, que beneficia o meio ambiente e as comunidades visitadas).
O alcance da sustentabilidade socioambiental das atividades turísticas e a ampliação da consciência dos turistas é uma meta dos atores sociais – operadores de turismo, associação de moradores, ONGs, órgãos de fiscalização etc – que encaram o desafio de atuar no segmento. E aqui no Brasil uma cidade pode ser considerada um exemplo de modelo bem sucedido na aplicação do tão idealizado turismo sustentável: a famosa Bonito. Localizada no Mato Grosso do Sul, na região da Serra da Bodoquena, a cidade é um verdadeiro paraíso natural, rica em rios de águas transparentes, cachoeiras, grutas e cavernas. E o melhor: tudo devidamente conservado.
Há cerca de 17 anos, proprietários particulares de terras na região perceberam o potencial turístico de Bonito e transformaram seus atrativos naturais em produtos turísticos. Hoje o turismo na cidade é coordenado e executado pelos próprios proprietários e moradores e apenas uma área é operada pelo Governo. Receber os turistas com responsabilidade ambiental – leia-se investindo em planos de manejo das áreas, coleta seletiva, tratamento de água e esgoto nas pousadas etc – é uma prerrogativa do dia-a-dia e da economia da cidade. Afinal de contas, a preservação do ambiente natural é também a garantia da geração de renda.
“Uma coisa que sempre tivemos cuidado e que nunca abrimos mão foi o ritmo de recebimento de pessoas. Para seguirmos os critérios de conservação e preservação das áreas naturais, temos que controlar o número de entrada de pessoas. O turismo pode sim acontecer de forma sustentável, e Bonito é uma prova disso, mas nunca poderá ser um turismo de massa”, explica Lílian Saab, operadora de turismo da região e uma das precursoras das atividades em Bonito. “O turismo sustentável é uma atividade mais abrangente do que simplesmente o atendimento ao turista. Um dos nossos objetivos é que o visitante tenha o entendimento de que o homem pode se integrar à natureza sem destruí-la.”
Conservação da floresta e turismo
Bonito hoje conta com 70 pousadas e hotéis e a cidade está sempre lotada, é claro, dentro da sua capacidade sustentável. Lílian diz que o segredo é fazer o turismo de forma organizada. “Turismo sustentável nada mais é do que organizar a visitação usando critérios de conservação da natureza e do meio ambiente”. Num outro cenário, o turismo sustentável, mais organizado e respeitando características sociais e ambientais regionais, é visto como uma das alternativas para proporcionar a conservação - ou a não derrubada - de uma área da floresta amazônica.
Através do Serviço Florestal Brasileiro, o Ministério do Meio Ambiente assinou recentemente os primeiros contratos de concessão na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia. Em linhas gerais, a idéia é colocar em prática um programa de uso múltiplo da floresta, no qual atividades de manejo florestal sustentável de produtos madeireiros e não-madeireiros serão conjugadas com a oferta de hospedagem e visitação em 46 mil hectares de floresta. O objetivo do turismo neste contexto é contribuir para a conservação da região, gerar empregos e renda à população local e levar investimentos para os municípios, sendo mais uma alternativa viável de atividade econômica para tornar a derrubada da floresta algo cada vez mais inviável e, obviamente, insustentável.
“Entre as categorias de turismo que identificamos serem aplicáveis para florestas densas, pretendemos investir mais nas atividades de turismo educativo, ou ambiental, aquele praticado por pesquisadores, estudantes ou turistas comuns que já tenham conhecimento da região e queiram interagir com a natureza e com as populações locais, buscando sempre obter conhecimento”, afirma Roberto Waack, da empresa Amata, vencedora da licitação feita pelo Governo e responsável pela gestão e operacionalização das atividades em Jamari, que terão início em 2009.
Waack conta que o modelo de turismo a ser aplicado na floresta tem inspiração em experiência similar bem sucedida na Costa Rica. E ressalta que um diferencial a ser implementado é o suporte a ser dado para a população local na formação e preparação para receber esse turista que vai ajudar a floresta a ficar em pé. “Nesta perspectiva de uso múltiplo da floresta, o turismo será um dos elementos a serem trabalhados e não prescindirá de um processo de informação e educação da população local. Ou seja, é um processo muito mais rico do que simplesmente receber visitantes. Será a primeira experiência no Brasil de um turismo integrado num plano maior de manejo florestal e queremos que ela se torne uma referência na área”, vislumbra Waack.
Turismo Comunitário
Entrevista: Mônica Barroso (sócia-fundadora e vice-presidente do Projeto Bagagem)
O Projeto Bagagem é uma ONG que visa a criação de uma Rede de Economia Solidária baseada no turismo de base comunitária no Brasil. Sua principal estratégia é apoiar a criação de roteiros turísticos que beneficiem prioritariamente as comunidades visitadas através da geração de renda e participação direta da população local. O projeto identifica ONGs que são referência por seus trabalhos em diversas áreas e em parceria com elas constrói um roteiro de turismo e convivência que se torna fonte de renda para as comunidades e aprendizagem para os participantes.
Em 2007 o projeto foi reconhecido com o prêmio Seed Awards, do PNUD (Nações Unidas), pela importância de suas iniciativas. Nesta entrevista, uma da criadoras e atual vice-presidente do Projeto Bagagem explica melhor a proposta de trabalho:
IEA: Como surgiu o Projeto Bagagem?
Mônica: O Projeto Bagagem nasceu a partir de um sonho meu e da Cecília Zanotti (presidente) de desenvolver um projeto social que gerasse um impacto positivo direto nas comunidades envolvidas, e que, ao mesmo tempo, mobilizasse a sociedade para a questão do desenvolvimento comunitário como solução social, econômica e cultural. Essa consciência, aliada à nossa paixão por viajar pelo país conhecendo diversas iniciativas, nos levou a pensar numa forma de tornar essa oportunidade acessível a qualquer pessoa que tivesse interesse em conhecer o país de forma mais aprofundada, verdadeira, tendo contato direto com sua gente e vendo de perto o Brasil que dá certo mesmo nos lugares mais adversos.
IEA: Qual é o conceito de turismo comunitário?
Mônica: O turismo de base comunitária, da forma como o Projeto Bagagem o implementa, representa não só uma alternativa de geração de renda para as comunidades envolvidas nos roteiros, mas uma atividade produtiva que valoriza os meios de vida local: a cultura, os saberes tradicionais, os recursos naturais. A idéia é promover o local através de uma atividade que seja gerenciada pelos próprios moradores, invertendo a lógica do turismo que apenas percorre lugares, sem prestar atenção nem envolver os moradores locais. A partir do momento que a população local percebe o valor (econômico, social e cultural) da atividade, aumentam sua auto-estima, seu espírito de empreendedorismo e seu poder de negociação.
IEA: Qual é o perfil do "turista comunitário"?
Mônica: Desde 2002 aproximadamente 150 'bagageiros' (como chamamos os viajantes) já participaram de viagens aos roteiros do Projeto Bagagem. A maioria é de brasileiros, principalmente provenientes dos grandes centros (São Paulo e interior, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Cuiabá). E os 15% restantes foram estrangeiros, em sua maioria que já possuíam uma relação com o Brasil, de países como Inglaterra, Suíça, Itália, Estados Unidos, África do Sul, Espanha, França, Suécia, Holanda, Áustria. O perfil dos 'bagageiros' é bastante variado. No entanto, há o que chamamos de uma 'seleção natural', pois as pessoas que se inscrevem para participar de nossas viagens já possuem um interesse diferenciado, uma vontade de viajar de um jeito diferente, não-convencional. Em geral são pessoas flexíveis, abertas a novas experiências, curiosas por modos diferentes de vidas e realidades.
IEA: Quais foram os maiores resultados conquistados pelo projeto desde a sua implantação?
Mônica: Podemos dizer que o Projeto Bagagem já gerou um impacto positivo não só nas comunidades envolvidas, através da geração de renda e da valorização dos meios de vida locais, mas também nos participantes das viagens e na postura dos parceiros locais perante a este novo conceito que introduzimos. O principal impacto nas comunidades é a geração de renda adicional e a consciência de que é possível fazer um turismo de forma diferente, fazendo amizade, brincando. Ou seja, o turismo passou a ser visto como uma oportunidade e não mais como uma ameaça, e é muito bacana constatar que as comunidades percebem a diferença entre o turista convencional e o bagageiro, e o prazer que eles têm em receber nossos grupos.
Nos participantes o impacto das viagens é imediato e profundo. Algumas vezes a participação na viagem se torna um divisor de águas na vida do participante, o que é muito gratificante para nós. E para os parceiros locais a experiência também representa uma nova área de atuação junto às comunidades. Aos poucos os parceiros vão criando seus próprios núcleos de turismo comunitário para que a atividade se torne uma alternativa de geração de renda sustentável para as comunidades.
Nos participantes o impacto das viagens é imediato e profundo. Algumas vezes a participação na viagem se torna um divisor de águas na vida do participante, o que é muito gratificante para nós. E para os parceiros locais a experiência também representa uma nova área de atuação junto às comunidades. Aos poucos os parceiros vão criando seus próprios núcleos de turismo comunitário para que a atividade se torne uma alternativa de geração de renda sustentável para as comunidades.
Saiba mais: http://www.projetobagagem.org/
*Publicado no Informativo do Instituto Ecológico Aqualung n. 81 (setembro/outubro 2008). Veja aqui.
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