quinta-feira, dezembro 20, 2007

Transgênicos e suas controvérsias

Por Jaqueline B. Ramos*

Poucos assuntos geram tanta controvérsia entre a sociedade e entre os próprios pesquisadores, agricultores e ambientalistas como os transgênicos. O termo é sinônimo de Organismos Geneticamente Modificados, ou simplesmente OGMs. Como o nome diz, trata-se de animais e plantas que sofrem modificações na sua estrutura ao receberem genes de outras espécies em laboratórios através da tecnologia do DNA recombinante (ou engenharia genética). Vale ressaltar que OGMs que não recebem genes de outras espécies não são considerados transgênicos.

Pedindo licença para tentar simplificar a explicação científica, o objetivo da alteração genética é adequar, através da inserção de características não naturais, a planta ou o animal de modo que seu cultivo ou criação se torne mais produtivo (leia-se, em alguns casos, mais rentável para o produtor em termos econômicos) ou que o produto final gerado seja mais eficiente. Um exemplo bem conhecido é a soja transgênica, que nada mais é que uma soja resistente a herbicidas. Outro exemplo é um arroz modificado que está sendo estudado na Suíça e na Alemanha que poderá ajudar a combater a deficiência de vitamina A por ser mais rico em carotenóides.

Vários são as vantagens e desvantagens ressaltadas sobre os transgênicos, mas a preocupação e as discussões sobre este assunto se justificam porque o fato é que ainda não foram esclarecidas claramente as reais conseqüências de toda essa “mistura genética” para a saúde do homem e do meio ambiente. Embora os defensores dos transgênicos argumentem que a biotecnologia proporciona avanços na produção de alimentos, podendo ajudar a solucionar problemas nutricionais mundiais, há setores da sociedade que ainda temem os riscos e as incertezas que ainda perpassam sobre os resultados, a longo prazo, da utilização maciça desse tipo de tecnologia.

Transgênicos no Brasil e no mundo

No Brasil as organizações não governamentais Greenpeace e ASPTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) lideram as campanhas de conscientização sobre os riscos e incertezas inerentes aos OGMs e lobbys contrários à sua produção e comercialização no país. Em junho desse ano, por exemplo, uma liminar suspendeu a liberação do milho Liberty Link, da Bayer, que havia sido concedida pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) em maio. A decisão da Justiça determinou que a CTNBio só poderá liberar variedades transgênicas de milho após a elaboração de normas de coexistência com variedades orgânicas, ecológicas e convencionais.

No entanto os trabalhos que visam o controle sobre os transgênicos no Brasil se tornaram ainda mais difíceis desde que o Governo sancionou a Lei 11.105/05. Esta vai contra todo o discurso promovido na corrida presidencial em 2002 - naquela época, o então candidato Lula formalizou seu compromisso de apoiar uma moratória à liberação do cultivo comercial e da comercialização de transgênicos no país por tempo indeterminado. Trocando em miúdos, a nova Lei de Biossegurança brasileira simplesmente passou a permitir que os transgênicos sejam introduzidos no meio ambiente e na alimentação humana e animal sem os necessários estudos de impacto ambiental e na saúde do Ministério do Meio Ambiente e da Saúde. Ou seja, tornou muito mais fácil a comercialização de OGMs e mais difícil o trabalho das entidades que lutam pelo seu controle.

Em outros países o panorama geral é o seguinte: na Europa alguns países têm autorizações para plantio de algumas espécies, como a Espanha e a França, que têm plantações de milho transgênico MON810, da Monsanto. Mas nunca o plantio é em larga escala. Outras nações, como Hungria e Áustria, decretaram a proibição de cultivo de transgênicos.

Os Estados Unidos é o país líder em plantio de larga escala e comercialização. Cerca de 50% de todos os transgênicos plantados no mundo estão lá. E também não há qualquer lei de rotulagem. A China não tem uma posição fechada sobre OGMs. No caso da soja eles não permitem o cultivo, mas liberam a importação, fazendo o esmagamento dos grãos diretamente nos portos para evitar contaminação. No caso do arroz, a política é desenvolver suas próprias variedades, não utilizando variedades das multinacionais já conhecidas.

Fontes: Greenpeace, ASPTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) e NEAD (Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Agrário Rural)

Saiba mais:
Guia do Consumidor – Transgênicos (Greenpeace) http://www.greenpeace.org/brasil/transgenicos/consumidores

Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos (ASPTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa)
http://www.aspta.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm

NEAD – Plantas Geneticamente Modificadas: Riscos e Incertezas: http://www.nead.org.br/index.php?acao=biblioteca&publicacaoID=344

BOX 1: Os prós e contras dos OGMs

Vantagens
· Aumento da produção de alimentos com redução nos custos de produção.
· Aumento da resistência induzida, diminuindo a necessidade do uso de herbicidas.
· Produção de alimentos de maior qualidade nutricional e menor perecibilidade.
· Produção de anticorpos em plantas transgênicas, com possibilidade de distribuição dos mesmos.

Desvantagens e riscos
· Incertezas em relação aos impactos na saúde humana, como possibilidade de aumento de alergias, dificuldades de tratamentos de algumas doenças por conta de resistência a antibióticos e intoxicações devido ao aumento de resíduos de agrotóxicos.
· Incertezas em relação aos danos causados ao meio ambiente, como o risco do que é chamado de fluxo gênico (transferência de genes da planta transgênica para uma espécie diferente que pode ser um parente silvestre ou plantas daninhas sexualmente compatíveis podendo gerar desequilíbrio nas cadeias alimentar e no ecossistema), desenvolvimento de resistência em pragas e doenças se houver a transferência do gene resistente da planta e impactos sobre a biodiversidade.
. Efeitos colaterais em gerais que não podem ser previstos em curto prazo.

BOX 2: Entrevista com Gabriela Vuolo (Coordenadora da Campanha de Engenharia Genética – Greenpeace Brasil)

Atualmente, quais são as maiores dúvidas em relação aos impactos negativos causados pelos OGMs?

Gabriela: As principais dúvidas se referem aos impactos à saúde e ao meio ambiente. Há estudos que afirmam que os transgênicos poderiam causar aumento no uso de agrotóxicos, contaminação genética, perda de biodiversidade, aparecimento de super-pragas, perda de variedades nativas etc. Dentre os impactos para a saúde, há estudos que relatam aumento na ocorrência de alergias, resistência a antibióticos, alteração no peso de cobaias e na estrutura de órgãos etc. O grande problema é que, até o momento, não há estudos conclusivos. A única coisa que se sabe é que os transgênicos são seres vivos que podem se reproduzir e que, portanto, não podem ser controlados depois que forem liberados no meio ambiente. Então, se algum agricultor utilizar plantas transgênicas, será possivel voltar atrás? Não.

O exemplo da soja transgênica já foi bem divulgado para o público em geral. Que outras espécies de plantas e animais passam mais comumente por modificações genéticas antes ou durante seu processo de produção?

Gabriela: Atualmente, 99% dos transgênicos plantados no mundo consistem em soja (61%), milho (23%), algodão (11%) e canola (5%). No Brasil os únicos OGMs liberados são soja e algodão. Existem outras espécies de OGMs que são plantadas em outros países, porém não em larga escala.
Num panorama geral, como está o Brasil em relação à legislação, comercialização e controle de produção de transgênicos? Que países estão mais avançados neste controle?

Gabriela: A legislação brasileira é razoavelmente avançada. Com relação à rotulagem dos produtos transgênicos, estamos muito próximos da lei européia no que diz respeito à porcentagem permitida (lá é de 0,9% e aqui é de 1%). E estamos mais avançados no que diz respeito aos produtos que precisam ser rotulados (lá, laticínios, ovos e outros produtos de origem animal não levam rótulo, e aqui sim). Com relação à lei de biossegurança, a nossa é boa em alguns aspectos (uma vez que tem 2 instâncias para aprovações comerciais, sendo elas a CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e o CNBS – Conselho Nacional de Biossegurança), mas não tão boa em outros (já que concentra todo o poder nas mãos da CTNBio e retira a competência da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Ibama nas avaliações de impacto na saúde e no meio ambiente). Além disso, a composição da CTNBio também é um problema, já que possui apenas 5 representantes da sociedade civil, contra 12 indicados diretamente pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.

Por que motivos a Lei Federal instituída em 2003 que define a obrigatoriedade de informações sobre transgênicos na rotulagem dos produtos para consumo humano e animal não é cumprida?

Gabriela: A principal razão para a falta de cumprimento do decreto de rotulagem é a falta de vontade política. De acordo com a legislação, os órgãos responsáveis por fiscalizar a presença de OGMs em alimentos são o Ministério da Agricultura e a Anvisa. No entanto, a responsabilidade da Anvisa se restringe aos produtos que já estão nas gôndolas dos supermercados. Ou seja, todas as etapas anteriores, como a chegada da matéria prima nas fábricas, transformação disso em ingredientes para outras fábricas etc, são de responsabilidade do Ministério da Agricultura. E é de conhecimento público que este Ministério tem posição favorável aos transgênicos, não demonstrando então interesse em fiscalizar. Tampouco tem os recursos humanos e financeiros para tal.

Outro problema é que além de não fazer a fiscalização, o Ministério da Agricultura não permite que outros órgãos cumpram esse papel. A Secretaria de Agricultura do Paraná, por exemplo, pediu autorização ao Ministério para fazer essa fiscalização (que é de competência federal), mas o pedido foi negado. Resultado: o Ministério não faz o seu trabalho e não deixa ninguém fazer. Segundo a lei 11.105/05, a CNTBio deveria "prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da política de OGMs e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial dos mesmos". Porém, a CNTBio parece interpretar as questões de biossegurança como barreiras para o desenvolvimento da tecnologia. Uma ação muito contraditória, uma vez que essa comissão deveria acompanhar o desenvolvimento de áreas como biossegurança visando a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.

Como o consumidor brasileiro pode se precaver e buscar por informações sobre os produtos que compra no seu dia-a-dia?
Gabriela: O consumidor tem um papel fundamental na luta em favor de alimentos livres de OGMs e algumas atitudes via SACs, internet e nos supermercados têm sido de grande valia. Desde 2002, o Greenpeace trabalha com o Guia do Consumidor - lista de produtos com e sem transgênicos. Com o Guia é possivel identificar produtos que não contêm transgênicos e produtos que podem ter transgênicos. Como a rotulagem ainda não está sendo colocada efetivamente em prática, o Guia é hoje a única ferramenta para o consumidor que quer evitar os produtos transgênicos.

Qual é a posição oficial do Greenpeace em relação aos transgênicos no Brasil e qual é a estratégia da campanha de engenharia genética?

Gabriela: O Greenpeace faz campanha contra a liberação de transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs) no meio ambiente e se opõe ao seu uso na alimentação humana e animal. Para a organização, os resultados da utilização de transgênicos são imprevisíveis, incontroláveis e desnecessários. A campanha começou no Brasil em 1997 e nesses 10 anos consideramos que alcançamos muitas vitórias. A maior delas é a quantidade de indústrias de alimentos que baniram os ingredientes transgênicos de seus produtos. Em 2002, quando começamos a trabalhar nessa área, eram apenas 14 empresas. Hoje são 68. O decreto de rotulagem também é uma grande vitória, embora parcial (já que não há implementação). O direito à informação é fundamental para que os brasileiros possam escolher o que vão comer; e isso está garantido por esse decreto.
*Matéria publicada no informativo n. 75 (setembro/outubro 2007) do Instituto Ecológico Aqualung (clique aqui - versão em pdf).

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