Por Jaqueline B. Ramos*
Os alertas sobre pesca predatória são ouvidos comumente e com uma freqüência cada vez maior, infelizmente. É raro não se deparar no dia-a-dia com notícias sobre desperdício de recursos marinhos e/ou pesca ilegal e o quanto isso é prejudicial para os mares, rios e oceanos, e, conseqüentemente, para o equilíbrio do planeta e a qualidade de vida do próprio homem.
O resultado de um estudo realizado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) divulgado em dezembro, por exemplo, atesta que mais de 75% da população de peixes do mundo está ameaçada devido à pesca predatória, aquela que leva processos de captura industriais para os mares em detrimento do equilíbrio ecológico e de toda a biodiversidade marinha. Em linhas gerais, pesca predatória, é aquela onde a quantidade de recursos pesqueiros retirada pelo homem é muito maior do que a capacidade de recomposição dos rios e mares (veja mais detalhes no boxe). E esta sobrepesca, associada com problemas de poluição das águas e falta de políticas públicas efetivas de proteção e conservação, já representa uma das maiores ameaças à biodiversidade marinha em todo o mundo, inclusive no Brasil.
E qual seria justificativa de um processo tão claramente insustentável? A resposta é simples: o consumo, a demanda da crescente população mundial por recursos pesqueiros. Em linhas gerais, a pesca em zonas costeiras é regulamentada por regras e leis, mas essas não são respeitadas ou precisam ser revistas. E no alto mar a situação ainda é mais alarmante, pois na mesma intensidade em que não são implementadas regras e fiscalizações, a captura de algumas espécies bem populares e consumidas, como o bacalhau, continua simplesmente sendo feita num ritmo cada vez mais industrial.
O Fundo Mundial para a Natureza sugere como uma das soluções a proibição absoluta de toda pesca em águas profundas e pede aos consumidores para comprarem peixe com o selo ecológico Marine Stewardship Council (MSC). Infelizmente no Brasil este selo ainda não está disponível. Portanto o caminho é procurar consumir pescados provenientes de cooperativas ou associações de pescadores tradicionais, evitando os produtos provenientes de espécies ameaçadas ou cuja origem e métodos de captura não são revelados. Uma entre as várias ações do hábito de um consumo consciente e responsável.
Proteção marinha e subsídios: Analisando especificamente o cenário brasileiro, o Greenpeace afirma que a sobrepesca e a captura acidental de espécies, prática relacionada a métodos de pesca industrial, estão entre as questões prioritárias para a gestão marinha no país. A ONG internacional defende que a principal solução para salvar os oceanos é a criação de reservas marinhas, onde não haja pesca, ou unidades de conservação sustentável, onde a pesca seja feita de maneira sustentável.
A pesquisadora Jennifer Jacquet, do Projeto “Sea Around Us”, é mais crítica e vê a pesca em larga escala como uma atividade industrial economicamente favorecida, o que a torna ainda mais insustentável. “Se pararmos de pescar, os peixes irão se recuperar. Mas, neste momento, há simplesmente muitos esforços a favor da pesca e poucos para a preservação dos oceanos”, declarou recentemente durante um congresso internacional de conservação. Ela ainda lembrou que menos de 1% dos mares são fechados para a pesca e que as restrições devem ser aplicadas às grandes empresas de pesca comercial.
A eliminação dos subsídios concedidos às grandes indústrias pesqueiras ao redor do mundo - as praticantes do que se intitula como pesca predatória e as maiores destruidoras da tradição da pesca artesanal, gerando também aí problemas sociais - poderia levar a um aumento no preço do peixe e, conseqüentemente a uma redução na demanda. Pois o fato é que o atual preço dos pescados não reflete sua real escassez e muito menos o custo ambiental por trás da atividade.
Os impactos da aqüicultura: Há quem defenda a aqüicultura (criação de espécies em fazendas marinhas, como truta, salmão, linguado, mexilhão, camarão etc) como a solução para enfrentar a problemática real da pesca predatória e seus impactos ambientais e econômicos. Na verdade, segundo a Agência para a Agricultura e Alimentação da ONU (FAO), 45% do pescado consumido no mundo hoje já provêm de criadouros e a aqüicultura vem crescendo a passos largos na América Latina, com destaques para o Chile e o Brasil.
Por outro lado, há aqueles que alertam para as limitações da criação industrial de espécies aquáticas e de seus riscos ambientais e sociais e acreditam que a solução seja o incentivo à pesca responsável em mares e rios que ainda têm uma rica biodiversidade. Entre os principais argumentos estão o confinamento dos animais, comprometendo seu bem-estar e saúde, a propagação de doenças de cativeiro, a destruição de ecossistemas marinhos para montagem das fazendas, o custo da energia utilizada para a criação, a grande quantidade de dejetos descartadas diretamente no mar, os ricos associados à falta de variedade genética e os efeitos na água de antibióticos, pesticidas e outros produtos químicos utilizados na criação.
A carcinicultura (criação de camarões em cativeiro), por exemplo, consome mais água doce do que a irrigação para agricultura – 50 a 60 mil litros de água por cada quilo de camarão produzido. Além disso, a construção de viveiros degrada nascentes e compromete os manguezais, o que vem acontecendo no Brasil principalmente em viveiros no Nordeste.
Em suma, o colapso dos recursos pesqueiros está associado, como a grande maioria dos problemas socioambientais, a desperdícios gerados por uma produção em larga escala guiada prioritariamente por interesses econômicos. O caminho para o equilíbrio dos ecossistemas marinhos passa pela prática da pesca mais sustentável, respeitando os animais e todas as espécies de vida marinha. E o primeiro passo para essa grande mudança passa pela atitude de cada cidadão, que deve se informar e privilegiar o consumo de pescados que tenham origem de processos responsáveis e, preferencialmente, não industriais.
O que é a pesca predatória
A pesca em larga escala, que consiste na captura em excesso de peixes e outros seres marinhos – chamada de pesca predatória, sobrepesca ou overfishing, em inglês - tem impactos muito negativos para o meio ambiente, principalmente no que diz respeito ao desperdício. A pesca industrial de camarão, por exemplo, é feita com enormes redes de arrasto que devastam uma grande extensão dos ecossistemas marinhos. Esta e outras modalidades de pesca industrial são responsáveis pelo chamado “descarte” de peixes e outros organismos marinhos considerados como “não adequados para venda”. E este descarte da vida marinha hoje é avaliado em 27 milhões de toneladas anuais.
Durante muito tempo o homem pescou peixes e frutos do mar num ritmo que os estoques iam se recompondo naturalmente. A partir da década de 1950 foram inventadas novas técnicas, consideradas “mais eficientes”, e o resultando vem sendo a pesca predatória. Dados demonstram que a população de 90% dos grandes peixes declinou acentuadamente nos últimos 20 anos.
Uma das causas da pesca predatória é o fato do padrão insustentável de captura não estar restrito as zonas costeiras. Navios de alta tecnologia, com capacidade de rastrear cardumes em regiões de alta profundidade, acabaram com a possibilidade de haver ecossistemas intocados nos oceanos. Outro problema é a prática da pesca ilegal, feita principalmente no período de reprodução dos peixes, a piracema, que ainda é comum, por exemplo, em algumas regiões da Amazônia.
Números e fatos da pesca insustentável
No mundo
· Em linhas gerais, estima-se que a exploração pesqueira nos dias atuais é quatro vezes superior do que a média recomendada.
· Mais de 75% da população de peixes do mundo estão ameaçadas devido à pesca predatória.
· Segundo a Agência para Alimentação e Agricultura da ONU (FAO), 80% da produção pesqueira mundial é obtida com exploração marinha, o que representa cerca de 90 milhões de toneladas por ano.
· Uma das espécies mais ameaçadas é a Sebastes marinus, ou Cantarilho, um peixe de águas profundas cuja captura também está ligada à destruição de corais de água fria milenares.
· Outra espécie muito ameaçada é o Atum do Atlântico. A cota de pesca da espécie permitida hoje ainda está mais alta em quase 50% do que a cota sugerida, o que ameaça gravemente os estoques do peixe e a atividade comercial em si.
· O prejuízo das frotas pesqueiras mundiais por explorar excessivamente espécies já à beira do esgotamento e por mau gerenciamento é calculado em US$ 50 bilhões, segundo recente relatório do Banco Mundial e da FAO.
· A maioria das espécies de grande valor comercial, como o atum e o bacalhau, estão muito perto de não conseguir recuperar mais suas populações. Cerca de um terço da população das espécies de peixes de valor comercial foi drasticamente reduzido, o que inviabiliza a própria pesca como atividade comercial.
· Uma recente pesquisa publicada na revista “Science” alertou que se a pesca descontrolada continuar no mesmo ritmo não haverá mais populações viáveis de peixes dentro em meio século. E isso representaria o fim da pesca no mundo.
· Dados da FAO apontam que, em 2005, 76% dos recursos pesqueiros mundiais estavam plenamente explotados (pescados em seu limite de reposição natural), sobre-explotados (pescados além de seu limite de reposição natural, o que leva ao declínio na quantidade de indivíduos) ou em situação de recuperação.
· Segundo cálculos do Banco Mundial, US$ 50 bilhões são gastos anualmente em apoios governamentais à atividade pesqueira. Em contrapartida, o investimento em conservação é irrisório: pouco menos de 2% dos mares e oceanos têm algum tipo de área protegida e apenas 0,8% é de zonas de proteção total, que restringem qualquer tipo de atividade econômica.
· Hoje a aqüicultura é responsável por 48 milhões de toneladas de pescados em geral consumidos no mundo. Estima-se que até 2030 será preciso duplicar essa quantidade devido à redução da pesca e à maior demanda de uma população crescente.
· Enquanto o camarão rende apenas 2% do montante global pescado anualmente, responde por 35% do desperdício total, devido aos métodos de pesca industrial de arrasto utilizados.
No Brasil
· O Brasil produz um milhão de toneladas de pescado por ano, o que configura um dos maiores potenciais pesqueiros do mundo.
· De acordo com levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesca é a atividade que mais sofre com o impacto de problemas ambientais no Brasil, tendo como principal conseqüência a redução da quantidade e da diversidade de peixes.
· Segundo um relatório divulgado recentemente pelo Greenpeace Brasil, cerca de 80% das espécies economicamente exploradas no país estão ameaçadas pela sobrepesca. Ou seja, estão sendo pescadas além da sua capacidade de regeneração.
· Um trabalho publicado recentemente pelo PNUMA (Agência das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e Ibama revela que em todas as regiões do Brasil banhadas pelo mar há espécies de peixes cuja sobrevivência está ameaçada. O problema é mais grave no Sul, onde 32% dos 142 tipos de peixes marinhos aproveitados pela pesca artesanal têm risco de não conseguir se reproduzir.
· A ameaça às espécies de peixes e a redução dos cardumes afetam diretamente as comunidades que vivem da pesca artesanal — atividade que emprega cerca de 2 milhões de pessoas e, em 2002, foi responsável por 52,5% das 535.403 toneladas de peixes extraídas no país.
Fontes: WWF, IUCN, Greenpeace, IBGE, Pnuma, WSPA e Sociedade Vegetariana Brasileira e Ibama
*Publicado na edição n. 82 (novembro/dezembro 2008) do Informativo do Instituto Ecológico Aqualung (veja o informativo em pdf aqui).
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