quinta-feira, novembro 25, 2010

Infância Veg - o que você precisa saber para criar os pequenos cheios de saúde


por Jaqueline B. Ramos*

Sou vegetariano convicto e tive um filho. O que fazer em relação a sua alimentação? Uma criança pode adotar uma dieta sem carne sem comprometer seu desenvolvimento? Meu filho será discriminado pelos amiguinhos pelo fato de ser vegetariano?

“Mamãe, eu quero brócolis”. Esta é a frase dos sonhos de todas as mães que se preocupam em propiciar aos filhos uma alimentação saudável, principalmente das vegetarianas. Para estas, uma alimentação saudável não é só sinônimo de variedade e alimentos de qualidade, mas também de uma dieta sem carnes ou produtos de origem animal, no caso das veganas. E aí é inevitável que surjam as dúvidas e as críticas - “você não pode privar o seu filho do prazer da carne!” é uma das frases mais manjadas. E o melhor caminho para lidar com tudo isso e criar pequenos vegetarianos com tranqüilidade e segurança é sempre o da informação.

Noventa e nove por cento das preocupações de pais vegetarianos que pretendem que os pequenos tenham uma dieta sem carne são sanadas com a boa notícia de que a dieta vegetariana é sim adequada para crianças. A afirmação de que a falta de carne compromete o crescimento é um mito, de acordo com a própria comunidade científica. Em 2009, a American Dietetic Association publicou oficialmente que “a dieta vegetariana adequadamente planejada, incluindo a dieta vegana, é saudável, nutricionalmente adequada, e pode trazer benefícios na prevenção e tratamento de certas doenças. É adequada para todos os indivíduos em todos os ciclos da vida, incluindo a gestação, lactação, infância e adolescência, e para atletas”.

“A dieta vegetariana não compromete o desenvolvimento da criança. Centenas de artigos científicos já analisaram o tema e varias evidências já foram acumuladas nas duas últimas décadas. Estudos de crianças com dietas vegetarianas adequadas mostram que na adolescência as crianças vegetarianas são mais altas, têm menor tendência ao excesso de peso do que a população em geral e menos risco de doenças cardíacas e de diabetes tipo 2”, explica Dr. Orlei Ribeiro de Araújo, médico pediatra responsável pela enfermaria de pediatria do Hospital Cruz Azul, em São Paulo, com experiência no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de crianças alimentadas sem carne.

Dr. Orlei ressalta que o hábito de comer carne é puramente cultural, sem nenhum benefício nutricional que possa ser sustentado cientificamente hoje em dia. Segundo o pediatra, a criança acostuma-se facilmente a uma alimentação sem carne e mesmo pais onívoros deveriam fazer a experiência. No entanto, o pediatra ressalta: é muito importante buscar orientação profissional para a elaboração e acompanhamento da dieta. “O maior desafio é encontrar profissionais que não torçam o nariz ao vegetarianismo, mesmo sabendo que estão completamente defasados. Felizmente hoje existe muito material de qualidade disponível na internet e recomendo a leitura freqüente para a compreensão do que é uma dieta adequada.”

Calorias e suplementação: A orientação de um profissional especializado – nutricionista ou nutrólogo – esclarece muitas dúvidas e dá muito mais segurança para os pais na hora de elaborar a dieta sem carne para os pequenos. Uma das principais questões que os pais devem ficar atentos é que ser vegetariano não significa comer somente “folhas”. “Deve-se ter clara a ideia de que verduras e legumes fazem parte da dieta, mas não são a base. Isso é muito importante para crianças pequenas, que se receberem muitas verduras e legumes e menos cereais e feijões terão baixa caloria ingerida, e isso compromete o crescimento”, alerta Dr. Eric Slywitch, médico nutrólogo especializado em alimentação sem carne.

Em relação a calorias, não é verdade a informação de que dietas vegetarianas para crianças devem ser necessariamente mais calóricas por conta da dificuldade maior de digestão de proteínas vegetais. Na verdade não existe dificuldade de digestão de proteínas, apenas a variedade de aminoácidos é menor nos vegetais, o que faz necessária a combinação inteligente de várias fontes para se obter todos.

Segundo Dr. Eric, equilibrando os grupos alimentares, os nutrientes costumam ficar bem ajustados. Ele também ressalta que é importante ficar atento ao consumo excessivo de fibras, que pode gerar uma maior saciedade na criança e, conseqüentemente, levar à ingestão de menos alimentos. “Mas com um bom acompanhamento de um profissional da área, não há razão para ter medo da dieta vegetariana. Só é necessário de muita paciência para agüentar o desespero de alguns familiares”, brinca o nutrólogo.

Em relação à suplementação, a de vitamina B12 é indicada para todas as crianças vegetarianas. As demais suplementações são aquelas comuns a todas as crianças pequenas – vitaminas A e D e ferro – e qualquer necessidade extra deve ser avaliada individualmente, de acordo com o tipo de vegetarianismo adotado, a ingestão alimentar habitual e as condições clínicas da criança.

“Vale ressaltar que os suplementos nutricionais devem ser prescritos por um profissional da área de nutrição com conhecimento e experiência no atendimento de crianças e adolescentes vegetarianos”, frisa Ana Paula Pacífico Homem, nutricionista especialista em nutrição materno-infantil que atende crianças e adolescentes vegetarianos em consultório particular e ambulatório institucional em Belo Horizonte.

A nutricionista esclarece um dos maiores mitos que ronda a dieta vegetariana: a falta de proteínas. Ela reitera que uma alimentação vegetariana adequada, com cereais integrais, leguminosas variadas e sementes oleaginosas, fornece quantidade mais do que suficiente do nutriente.

“Os pais não podem esquecer que a consistência da alimentação e a forma de preparo precisam ser adaptadas à idade da criança. No caso de bebês, os feijões e as frutas devem ser muito bem amassados e os sucos, coados. Os cereais integrais precisam ser muito bem cozidos e peneirados, para reduzir o teor de fibras na fase inicial de introdução de alimentos. Uma semente de amêndoa, por exemplo, pode ser introduzida na forma de farinha, adicionada a uma fruta”, afirma Ana Paula.

O desmame é o período mais vulnerável para a criança vegetariana e a introdução de alimentos deve ser idealmente acompanhada por um profissional com experiência em dietas vegetarianas. Segundo a nutricionista, é fundamental garantir as fontes alimentares de ferro, cálcio e zinco (folhas verdes escuras, feijões, sementes oleaginosas ) e “gorduras boas” (abacate, óleo de oliva). “Outro nutriente muito importante é o ômega-3, um tipo de lipídeo essencial para o cérebro em crescimento da criança. Sua principal fonte no reino vegetal é o óleo de linhaça”, diz.

Exemplo, exemplo e exemplo: Esclarecida a parte científica, os pais vegetarianos podem ainda ter outra preocupação em relação à alimentação sem carne dos filhos: numa sociedade ainda predominantemente onívora, como vou acostumar e explicar o vegetarianismo para o meu filho. Uma criança vegetariana pode vir a sofrer algum tipo de preconceito, ou até exclusão social?

Primeiramente é preciso reforçar uma das máximas mais fortes quando o assunto é educação, inclusive a alimentar. A criança aprende muito mais pelo exemplo do que pelas palavras. Ou seja, o hábito de uma alimentação vegetariana saudável em casa será o maior espelho da criança. “Os pais vegetarianos devem fornecer uma alimentação coerente com seus princípios dentro de casa, esclarecer as questões que venham a surgir sobre o assunto com clareza e sinceridade e acreditar que estão plantando boas sementes”, aconselha Ana Paula. “Mais cedo ou mais tarde a criança ou adolescente confrontará os valores que recebeu da família com aqueles que recebeu da sociedade e fará uma opção madura e consciente”.

“Não vejo nenhum problema de pais vegetarianos criarem seus filhos com a mesma dieta. Conheço famílias que criaram seus filhos com vegetarianismo e nunca evidenciei nenhum problema psicológico decorrente disso. Em termos de socialização, vejo menos problema numa criança vegetariana do que numa criança, por exemplo, que tem intolerância a glúten ou alergia a leite”, afirma a psicóloga Teresa Ferreira, que atende no Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A psicóloga ressalta que é importante que os pais agrupem-se com outros que seguem a mesma filosofia, para que seus filhos, em algum momento, se encontrem com seus pares e vejam que há outras pessoas que fazem o mesmo. “Dessa forma eles se darão conta que não são os diferentes, só em alguns momentos é que são diferentes. Além disso, é imprescindível que os pais comam o que querem que os filhos comam, dando o exemplo e oferecendo o alimento de diferentes formas e em diferentes momentos.” Teresa não vê o oferecimento de alimentação vegetariana para as crianças como uma imposição ou coerção. “É natural e até uma obrigação dos pais passarem seus valores para os filhos. Quanto mais claros esses valores estão para os pais, mais fácil será para os filhos entenderem.”

Papinha sem carne: Alguns exemplos de pequenos vegetarianos demonstram que a alimentação sem carne pode realmente ser encarada de forma muito natural pela criança, não lhe trazendo nenhum desconforto. “Eu sempre fui vegetariano e explico para os meus amigos que desde que era pequeno já não gostava de comer carne. Quando minha avó me dava papinha com carne, eu cuspia tudo. Também falo para eles pensarem muito bem nos animais”, diz Pedro Schuwenck, de 9 anos, quando questionado sobre o que explica para seus amigos onívoros quando lhe perguntam por que não come carne.

Pedro, sua mãe, a publicitária Paula, e seus avós maternos, todos vegetarianos, lançaram em maio desse ano em São Paulo o blog “Vegetariano come o quê?”, cujo objetivo é apresentar receitas que respondam justamente a este pergunta. O diferencial é que as receitas são apresentadas em vídeos e pela família, o que, segundo Paula, chama muito a atenção das pessoas.

Paula é vegana há oito anos e fez a opção pelo vegetarianismo na gravidez. Ela conta que Pedro se mostrou vegetariano desde que começou a comer as papinhas. “Ele sempre rejeitou papinhas com carne. Quando substituía por uma de vegetais ele comia tudo. Procurei um médico nutrólogo especializado em dieta vegetariana que nos orienta até hoje”, conta Paula, ressaltando que Pedro sempre teve crescimento acima da média e nunca existiu problema de socialização com os amiguinhos. “Pelo contrário, ele tem muitos amigos e quando eles vêm na nossa casa, adoram comer nossos bolos e lanches veganos”.

Como Pedro acabou fazendo sua escolha bem cedo, Paula nunca teve dificuldade para montar sua alimentação. E como principal dica para pais vegetarianos que pretendem criar pequenos vegetarianos, ela diz que o segredo é introduzir a variedade dos vegetais na alimentação das crianças. “Quanto mais elas conhecerem os sabores e a infinidade de opções que têm para comer e sentir prazer, se deliciar, mais fácil será que elas gostem e se orgulhem de serem vegetarianas. Além disso, sempre conversar muito sobre os direitos dos animais e como é importante para o planeta que elas sejam vegetarianas.” E completa: “As crianças são esponjinhas que sugam o nosso exemplo. Se os pais estiverem convictos e se sentirem felizes por terem escolhido o vegetarianismo, assim as crianças se sentirão também.”

Com a bióloga paulistana Fúlvia Zephilho de Andrade e sua filha, Letícia, de 2 anos e meio, a experiência é muito parecida. Letícia é ovolactovegetariana desde o ventre, pois Fúlvia e o marido já tinham decidido que seus filhos não comeriam carne. Ela diz que nunca passou pela cabeça deles oferecer carne nas papinhas e para garantir a boa nutrição de Letícia consultam um nutricionista vegetariano.

“Ela segue crescendo saudável e se alimentando muito bem. E está super adaptada à dieta. Tanto que quando vê os tios ou as avós comendo carne ela pergunta o que é e aí fala “não pode comer carne, são nossos amigos, mata os bichinhos”. Fúlvia acredita que quando os pais têm hábitos alimentares saudáveis, os filhos passam a adquirir estes hábitos naturalmente. E dá as dicas: para os bebês, o legal é cozinhar legumes e verduras variando sempre e oferecê-los amassadinhos, e não tudo batido em forma de sopa. Dessa forma a criança aprende a distinguir os sabores dos alimentos; E com as crianças maiores, leve-as para cozinhar com você. Ela vai gostar de ajudar e de comer o que preparou.

Apesar do preconceito hoje sem bem menor e as pessoas estarem mais informadas sobre o que é o vegetarianismo, Fúlvia diz que a maior dificuldade ainda é a crítica de que estaria privando a filha dos “prazeres da vida”. Para amenizar essa dificuldade Fúlvia criou, em abril de 2009, o blog Maternas Vegetarianas, cujo objetivo é justamente trocar idéias e informações e difundir o vegetarianismo e outros assuntos correlatos entre “mães vegetarianas que acreditam em um mundo melhor, não somente no nosso bem-estar, mas no de nossos filhos, dos animais, da humanidade e do planeta”.

“Eu acredito que as crianças são mais receptivas ao vegetarianismo que alguns adultos. Costumo dizer que se você colocar uma criança com fome em uma sala onde está um pintinho e onde tem uma pêra, o que você acha que ela vai fazer: comer o pintinho e brincar com a pêra ou comer a pêra e brincar com o pintinho? A resposta já nos diz que, em essência, somos vegetarianos”, conclui Fúlvia.

Os 10 mandamentos para a dieta vegetariana dos pequenos

1. Procure um profissional especializado em alimentação sem carne – nutricionista ou médico nutrólogo – para orientar, montar e acompanhar a dieta vegetariana de uma criança.
2. Nunca substitua o aleitamento materno ou o uso de fórmulas especializadas por misturas de farinhas de cereais.
3. Fórmulas infantis à base de soja são a única opção para lactentes veganos não amamentados no seio.
4. Fórmulas de soja não são adequadas para prematuros, pois há o risco de fragilização dos ossos mesmo com suplementação de cálcio. Prematuros, infelizmente, estão fora do veganismo.
5. A vitamina B12 deve ser suplementada sempre, principalmente para as crianças veganas.
6. No caso de crianças veganas deve-se ficar bem atento às fontes de cálcio, que devem ser intensificadas.
7. Crianças em geral, onívoras ou vegetarianas, devem ter atenção especial ao ferro, pois sua deficiência é muito comum. Sua suplementação é necessária a partir do quarto mês de vida.
8. Os pais devem ter uma alimentação adequada e equilibrada, pois eles serão o maior exemplo para as crianças.
9. Apresente toda a variedade de vegetais para as crianças, pois é a melhor forma delas pegarem gosto, se acostumarem e sentirem prazer com a dieta sem carne.
10. Converse sempre sobre os motivos do vegetarianismo e esclareça as questões colocadas pelas crianças com muita serenidade e tranqüilidade.

Fontes para consulta e orientação

Livros

• “Comida Vegetariana para Crianças”, de Sara Lewis (Editora Madras)
• “Dieta Vegetariana para Pais e Filhos”, de Charles R. Artwood (Editora Madras)
• “Alimentação sem Carne – Guia Prático”, de Eric Slywitch (Editora Alaúde)
• “Virei Vegetariano – E agora?”, de Eric Slywitch (Editora Alaúde)
• “Lar Vegetariano”, de Ivonete Nakashima, Aparecida Teixeira e Paulo Cesar Nakashima (Editora Cultrix)

Sites

www.alimentacaosemcarne.com.br
http://www.vegetarianocomeoque.com.br/
http://maternavegetarianas.blogspot.com/


*Reportagem publicada na Revista dos Vegetarianos edição 49 / novembro 2010 - http://www.europanet.com.br/site/index.php?cat_id=935

11 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ju disse...

Ser vegetariano desde pequeno não faz mau nenhum!
Eu parei de comer carne com 2 anos,bem pequena...e agora com 22 tenho mta saúde!

Claro que no mundo que a maioria é carnívora ,sempre terá os que acham frescura ou ''tah de dieta''cresci escutando isso.Mas agradeço a minha mãe por ter me criado assim.Em minha casa eu(parei c/ 2anos) ,minha irmã(parou c/3anos) e mnha mãe somos -ovolactovegetarianas e sim vivemos mtu bem obrigada!

Tenho uma rotina super agitada e ainda facu a noite!

=)
bjos!

Tassiana disse...

Jaqueline, adorei a matéria e vou postar no meu blog também, para divulgação. www.filhosvegetarianos.blogspot.com
Sou ovo-lacto-vegetariana há mais de 6 anos e meus filhos, gêmeos, de 3 anos, também são. Por incrível que pareça não temos muitos problemas socias com relação à carne, mas com relação a alimentação saudável. Percebo que muitas pessoas até toleram meus filhos não comerem carne, mas não comerem pirulitos, balas e outras guloseimas é imperdoável! Me olham sempre com cara de "coitadinhas dessas crianças, não comem carne e nem porcarias! Não devem ter prazer na vida". É muito triste perceber que as pessoas associam prazer a alimentos não saudáveis e que não possam enxergar que podemos ter prazer e dar muito prazer apenas dando atenção aos nossos filhos.
Beijos

Anônimo disse...

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Designer Marcio Dupont disse...

oi visite o meu blog de design ecologico, obrigado.

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Soraia disse...

Olá Jaqueline. Você conhece algum médico ou nutricionista vegetariano em São José dos Campos?

Anônimo disse...

Amei a matéria! Estamos em constante evolução, basta lembrar de nossos parentes ¨das cavernas", e, desta forma, continuamos a mudar. Ser vegano, não é ,apenas, uma opção para aqueles que sentem-se desconfortáveis em comer com sofrimento, é uma necessidade. O Planeta precisa disso, ele não irá aguentar muito tempo.No futuro não haverá espaço para outro tipo de alimentação.Ainda bem!